segunda-feira, 22 de janeiro de 2018





A JUSTA ENTRE O ZÉ DA ROSINHA E O MAL-AFAMADO AGOSTINHO

(Conto premiado em 1º lugar no XXIII Concurso Literário Cidade de São Luís, em 1997, e depois publicado no livro “À Noite, Todos os Gatos”, em 1998)

(Parte 3)


- Quando vosmecê deu por falta da viola, seu Zé da Rosinha?
- Foi hoje de manhãzinha, doutor Vicente, logo que eu saltei da rede. Eu costumo apoiar a viola bem do lado da cômoda.
O cabo Lupércio ia anotando tudo, à guisa de escrivão.
- O que é que vosmecê fez ontem à noite?
- Toquei na casa do seu Antenor, que festejava aniversário. Fiz até uma música pra mode agradar o senhor, doutor.
- Hmpff! Rosnou o delegado, meio incomodado com a intimidade do trovador.
- Depois de lá, lá pelas tantas – continuou Zé da Rosinha – proseei um pouquinho na calçada da leiteria e fiz uns improvisos metendo a lenha no governador.
O cabo Lupércio olhava perdido para o teto da delegacia, sem saber direito se prosear era com z ou com s.   
- Isso não melhora muito as coisas – disse o delegado. Vosmecê chegou em casa a que horas?
- O sino da igreja já tinha badalado as uma.
- E levava a sua viola?
- Levava, sim senhor.
- Quem estava com vosmecê na hora em que vosmecê foi pra casa?
- Deixe ver... o Leite, é claro, o seu Barbosa, um tio dele que chegou da capital, e o Agostinho.
- Ah, o Agostinho, aquele irresponsável!
- Sim, senhor doutor, aquele irresponsável. Ele até pediu pra au fazer uma paródia contando os causos da delegacia...
- Hmpff – de novo – E, na sua opinião, como é que sumiu a sua viola?
- Ela foi roubada, doutor.  
- E na sua opinião, como é que ela foi roubada?
- Acho que pularam a janela que eu deixo encostada, passaram por debaixo da rede, apanharam a viola que estava ao lado da cômoda e saíram com ela.
- Muito engenhoso. E na sua opinião, quem foi o ladrão?
- Por aqui só tem um ladrão, seu delegado. É o Agostinho.
O delegado se empertigou na cadeira de espaldar alto, que ficava ainda mais alto vista debaixo do tablado onde se apoiava a escrivaninha escura.
- Mas vosmecê não viu nada, nem ouviu nada, só imagina?
- Eu estava dormindo feito uma pedra depois de tomar aquelas doses todas...
- Então, como é que vosmecê pode acusar o Agostinho assim sem mais nem menos sem ter certeza de que foi ele mesmo? – indagou o delegado, mais por força do ofício, porque ele próprio não tinha a menor dúvida de que a presunção do violeiro era a mais cristalina realidade.
- Não pode ser outra pessoa, doutor. O único larápio que existe em Catolé é o Agostinho! – lembrando, porém, de uns versos seus a respeito de certas proezas do prefeito, não exatamente um exemplo de retidão.
O cabo Lupércio chamuscava a velha Remington misturando erros de datilografia com erros de ortografia. Toda a conversa lhe parecia absolutamente sem sentido e com certeza essa investigação não iria chegar a lugar algum. O jeito seria dar um aperto bem dado no safado do Agostinho que ele logo iria abrir o bico – e se lamentava da sua condescendência com ele durante o tempo pregresso. 
Já o delegado-juiz sentia-se imponente no papel de Salomão misturado com Sherlock Holmes, ele, que se considerava o paradigma da justiça e um artífice de investigações.
Coçou o joelho demoradamente, como fazia cada vez que pensava em como resolver um problema e decidiu-se por chamar para depoimento como testemunhas os personagens da noite fatídica – Antenor das antenas, Leite da leiteria, Barbosa da barbearia, o tio da capital – destarte liberando o atônito e inconsolável Zé da Rosinha.
Como o delegado já considerava Agostinho a priori culpado, ele foi listado não como testemunha, mas como suspeito.

SEGUE  


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