A JUSTA ENTRE O ZÉ DA
ROSINHA E O MAL-AFAMADO AGOSTINHO
(Conto premiado em 1º lugar no XXIII
Concurso Literário Cidade de São Luís, em 1997, e depois publicado no livro “À
Noite, Todos os Gatos”, em 1998)
(Parte 3)
- Quando vosmecê deu por falta da viola,
seu Zé da Rosinha?
- Foi hoje de manhãzinha, doutor
Vicente, logo que eu saltei da rede. Eu costumo apoiar a viola bem do lado da
cômoda.
O cabo Lupércio ia anotando tudo, à
guisa de escrivão.
- O que é que vosmecê fez ontem à noite?
- Toquei na casa do seu Antenor, que
festejava aniversário. Fiz até uma música pra mode agradar o senhor, doutor.
- Hmpff! Rosnou o delegado, meio
incomodado com a intimidade do trovador.
- Depois de lá, lá pelas tantas –
continuou Zé da Rosinha – proseei um pouquinho na calçada da leiteria e fiz uns
improvisos metendo a lenha no governador.
O cabo Lupércio olhava perdido para o
teto da delegacia, sem saber direito se prosear era com z ou com s.
- Isso não melhora muito as coisas –
disse o delegado. Vosmecê chegou em casa a que horas?
- O sino da igreja já tinha badalado as
uma.
- E levava a sua viola?
- Levava, sim senhor.
- Quem estava com vosmecê na hora em que
vosmecê foi pra casa?
- Deixe ver... o Leite, é claro, o seu
Barbosa, um tio dele que chegou da capital, e o Agostinho.
- Ah, o Agostinho, aquele irresponsável!
- Sim, senhor doutor, aquele
irresponsável. Ele até pediu pra au fazer uma paródia contando os causos da
delegacia...
- Hmpff – de novo – E, na sua opinião,
como é que sumiu a sua viola?
- Ela foi roubada, doutor.
- E na sua opinião, como é que ela foi
roubada?
- Acho que pularam a janela que eu deixo
encostada, passaram por debaixo da rede, apanharam a viola que estava ao lado
da cômoda e saíram com ela.
- Muito engenhoso. E na sua opinião,
quem foi o ladrão?
- Por aqui só tem um ladrão, seu
delegado. É o Agostinho.
O delegado se empertigou na cadeira de
espaldar alto, que ficava ainda mais alto vista debaixo do tablado onde se
apoiava a escrivaninha escura.
- Mas vosmecê não viu nada, nem ouviu
nada, só imagina?
- Eu estava dormindo feito uma pedra
depois de tomar aquelas doses todas...
- Então, como é que vosmecê pode acusar
o Agostinho assim sem mais nem menos sem ter certeza de que foi ele mesmo? –
indagou o delegado, mais por força do ofício, porque ele próprio não tinha a
menor dúvida de que a presunção do violeiro era a mais cristalina realidade.
- Não pode ser outra pessoa, doutor. O
único larápio que existe em Catolé é o Agostinho! – lembrando, porém, de uns
versos seus a respeito de certas proezas do prefeito, não exatamente um exemplo
de retidão.
O cabo Lupércio chamuscava a velha
Remington misturando erros de datilografia com erros de ortografia. Toda a
conversa lhe parecia absolutamente sem sentido e com certeza essa investigação
não iria chegar a lugar algum. O jeito seria dar um aperto bem dado no safado
do Agostinho que ele logo iria abrir o bico – e se lamentava da sua
condescendência com ele durante o tempo pregresso.
Já o delegado-juiz sentia-se imponente
no papel de Salomão misturado com Sherlock Holmes, ele, que se considerava o
paradigma da justiça e um artífice de investigações.
Coçou o joelho demoradamente, como fazia
cada vez que pensava em como resolver um problema e decidiu-se por chamar para
depoimento como testemunhas os personagens da noite fatídica – Antenor das
antenas, Leite da leiteria, Barbosa da barbearia, o tio da capital – destarte
liberando o atônito e inconsolável Zé da Rosinha.
Como o delegado já considerava Agostinho
a priori culpado, ele foi listado não como testemunha, mas como suspeito.
SEGUE
Nenhum comentário:
Postar um comentário