A VIDA INGLÓRIA DE
TALARICO JOSÉ
(Excerto - II)
Eis a sua grande desdita: chamar-se
Talarico.
Poderiam ter posto o nome de Teobaldo ou
Estêvão, mas seu pai – um redondo cavalheiro de bigodeira austera – preferiu um
nome de armas a um nome de almas.
Isto pensava ele – o pai – que errou
desde o princípio, pois nunca se ouviu falar de um general ou soldado,
estratego ou simples aguadeiro, ou sequer de um cavalo que, pronto e ajaezado
para a luta, respondesse por tal nome.
Alarico, sim, vândalo e destemido,
devastador de aldeias, degolador de populações civis e incivis, violador de
virgens e de princípios, um cavaleiro negro às avessas, o que não indica que
fosse branco – era amarelo de cara cozida e cabelos de milho, o doce encanto
dos visigodos, mas sobrou um T.
Tímido, envergonhado e introvertido,
Talarico também jamais chegou a ser um talarico, para a tranquilidade e o sossego
dos maridos que o circundavam.
O José entrou de intrometido, o padre
batizando com os devidos paramentos, respingos e borrifos, o pobre Talarico
chorando, agora berrando – “Como se chamará o menino?” – “Ele se chamará
Talarico, senhor padre, Talarico José” – “Então eu te batizo, Talarico José, em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!” – e todos ouvindo, sem reclamar, é
preciso ter nome de santo para crescer com Deus, o padre assentindo.
O que todos esquecem é que o homem,
ímpio por natureza, criou à sua
conveniência a existência de dois Deus, não apenas um. O Deus dos opulentos e o
Deus dos desgraçados, andando de braço dado no Jardim do Éden, agora livres do
primeiro homem, da primeira mulher e da primeira cobra, cada qual zelando pelo
seu rebanho.
“Mas não é a cara da mãe?” – que Deus o
livre de semelhante desventura: a mãe tem a cara de uma matrona renascentista
pintada por um aprendiz.
“Não tem os olhos do pai?” – ao que o inglório
infante, ao fitar os olhos empapuçados do pai, desatou num choro copioso, convulsivo
e compreensível.
Definitivamente Talarico parece ser o prefácio
antecipando um livro de aventuras que vai finalizar como um libreto de ópera
bufa.
O tempo dirá.
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