quinta-feira, 26 de setembro de 2019






NASCIMENTO  
(Excerto)


Já quase percebo uma luz no fim do túnel.
Pressinto a morte, e uma terrível tensão se apodera de mim. Quero agarrar-me às paredes lisas que me cercam, mas elas se movem e me repelem e me empurram, prontas para me atirar rumo ao desconhecido.
Parece ser inevitável esta ruptura, esta tragédia, já penso ouvir rumores estranhos, sons de vozes e uma expectação agoniada me abraça.
No princípio era o tédio, a imobilidade, a escuridão constante e eu procurando entender o que eu era, o que fazia e o que de mim se esperava, encolhido e surdo.
Me assusta a ideia do inevitável, de passar para outra esfera, de ser numerado, rotulado e colocado para competir com milhares de outros. Milhares, milhões. Parece que já vivi essa outra vida, pois alguma coisa dentro de mim me provoca arrepios, adivinhando os momentos terríveis que me esperam, a angústia e o ódio, a solidão e o medo, o caos.
Tenho vontade de me agarrar a algo, mas as paredes continuam a me expulsar, lisas e pulsantes.
Hei de lutar até o fim contra esta agressão, esta prepotência, contra esta natureza, quero continuar a viver assim como sou, mesmo sendo um parasita inútil. Antes ser inútil agora do que enlouquecer depois.    
Há uma expectativa no ar: sinto que do outro lado outros seres também estão tensos, nervosos, agitados e preocupados com meu evento.
Já percebo enfim a luz no fim do túnel e sei que estou me aproximando da minha próxima morada.
Sinto um mal-estar inexprimível, estou zonzo, cego, a cabeça me segue apertada como se por um torniquete, a luz ficando mais forte e um grito rouco escapando do meu peito, num protesto inútil e alucinado.
Deus! Já estou fora do túnel. Primeiro, uma confusão de cores e brilho, e de repente um frio e um pavor inesperados, esperados. Esperados como a necessidade de enfrentar o meu destino.
Estou na minha outra vida, no meu outro mundo.
Nasci, como todos pensam, ou morri, como me sinto?

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