domingo, 17 de novembro de 2019






O PORCO
(Excerto)

Radamés estava muito preocupado com o julgamento que seria realizado na terça-feira, pois não via por onde ganhar a causa e começava a ver pelo binóculo as terras que estavam em questão. Pior, não tinha a menor confiança no seu advogado, um tal doutor Calixto Fortes, um sujeito cheio de pose que lhe fora indicado por um amigo.
Percebendo que a nau estava indo a pique, ele perguntou timidamente se havia alguma forma de seduzir o juiz, com alguma conversa ou algum  “presentinho”, ao que o doutor respondeu que o juiz seria um tal Pompílio de Taques, daqueles da velha guarda – in-cor-rup-tí-vel! – e completou dizendo que o juiz levava uma vida muito simples, sem luxos, e que a sua verdadeira paixão – depois das leis, é claro – eram os leitões que ele criava num sítio que possuía no interior.
Radamés aparentemente se resignou. Para ele, a justiça lhe parecia fortuita e cega, com os olhos vendados e a espada na mão, pronta para ceifar cabeças sem qualquer critério pesando os prós e os contras de um julgamento na sua balança de dois pesos e duas medidas.
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Terça-feira.
Lá estavam todos os implicados no segundo andar do Fórum onde ficava a Sexta Vara: Radamés, cheio de preocupações, doutor Calixto, cheio de anéis, Vivaldo – seu adversário – cheio de certeza e advogado dele cheio de presunção e papéis.
O oficial abriu a porta e convidou todos a entrar.
No alto da sua imponência, o Meretíssimo Pompílio de Taques pigarreou, leu as laudas como de praxe, permitiu as justificativas e apartes sem prestar muita atenção, e foi curto e grosso na sentença.
- Tendo em vista os fundamentos dos autos, condeno o senhor Vivaldo Perequê a devolver as terras questionadas e proclamo seu legítimo dono o senhor Radamés Plutarco. Caberá ao senhor Vivaldo Perequê o pagamento das custas processuais e etcetera etcetera, etcetera...
Com a sentença proferida, as partes se dissolveram escada abaixo, doutor Calixto cofiando a barba rala com brilho nos olhos, o incrédulo Vivaldo Perequê dardejando um olhar de fúria para o seu atônito advogado e Radamés se concentrando em um enorme quadro no hall que mostrava uma cena campestre onde alguns leitõezinhos chafurdavam felizes na lama.
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Doutor Calixto, envaidecido como um pavão, se dava ares de importância.
- Não disse a você, Radamés, não disse a você para confiar no meu trabalho?
- Só que as coisas nem sempre acontecem naturalmente, doutor. A gente às vezes tem que dar um empurrãozinho por fora...
- Como assim, empurrãozinho, Radamés, como assim?
- Bem doutor, não foi propriamente pelo seu trabalho que a gente ganhou a questão, mas pelo meu presente...
- Presente, Radamés, que presente?
- O porco que dei de presente para o Doutor Pompílio.
- Você deu um porco de presente para o Doutor Pompílio? Não pode ser, Radamés, não posso acreditar que o Doutor Pompílio iria vender a sentença por um porco!
- Nem eu iria acreditar nisso, doutor, depois que o senhor me disse que o homem é incorruptível!
- Mas então... que diabo de história é essa? – exasperou-se o advogado.
- É que eu mandei um porquinho todo cor-de-rosa pro juiz, com um bilhetinho preso a uma fita vermelha amarrada no pescoço do bicho.
- ... e então...?   
- ... e então o bilhetinho pedia com todo o respeito que o juiz aceitasse o porquinho como presente, e era assinado por Vivaldo Perequê...  




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