SIC TRANSIT GLORIA MUNDI
(Republicado, extraído de A
VIDA INGLÓRIA DE TALARICO)
Augusto Pellegrini
Augusto Pellegrini
Saí
do prédio e recebi no rosto um chuvisco fino de garoa fria.
A
noite piorara consideravelmente, e esse mau tempo combinado com a sauna tomada
à tarde não me iria fazer bem algum.
Entrei
de corpo e alma na garoa que neblinava as luzes amarelas dos postes e neblinava
a minha já neblinada visão.
Empurrado
pelo vento e pela chuva, caminhei dois ou três passos e me deparei com uma
pequena multidão como as que rodeiam os mágicos ambulantes, expectadores
concentrados e curiosos comentando e observando um fato, alguns chegando outros
indo embora, enquanto um guarda apitava e mais longe o que apitava era um trem.
Uma
viatura estacionada ao lado da multidão fazia piscar e girar uma lâmpada
vermelha afixada no teto, lembrando alguma cena de algum filme de Hollywood.
Aproximei-me
para participar do aglomerado no momento em que algumas pessoas saíam deixando
um lugar vago na primeira fila, como nos grandes teatros, para que eu pudesse
assistir à cena final de mais uma tragédia urbana.
Talarico
estava estendido na calçada com um braço ao longo do corpo e o outro acima da
cabeça, tendo na mão uma taça de vinho quebrada, os cacos se misturando com o
molhado da rua, um filete de sangue escorrendo do nariz e avermelhando o
bigode.
A
água borrifava sobre o seu rosto como se nevasse nos cabelos arrepiados.
No
bolso superior do paletó a nota fiscal da última comemoração, um jantar
terminado há meia hora no restaurante do topo do prédio, de onde ele mergulhara
para a eternidade.
Não
havia nenhum padre a lhe aspergir a água do perdão.
Pelo
menos por enquanto.
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