AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 5 - O SONHO
(epílogo)
Duke
Ellington tem
cerca de três mil composições, entre suítes, baladas, sinfonias, gospel, música
sacra e diversas formas de jazz, desde o dançante até o mais sofisticado, e se
nem toda a sua obra pode ser definida como blues,
todas elas contêm o blues como o seu
mais elevado ingrediente.
Nelas, pode-se sentir
o brilhantismo do compositor e das suas intrincadas soluções musicais, repletas
de harmonias soberbas, de intervalos insperados e de uma grande inspiração pianística.
Ellington possuía
o virtuosismo de Art Tatum, a alegria de Thomas “Fats” Waller, a malandragem de
Count Basie, o “stride” de Willie “The Lion” Smith e até a técnica de
Oscar Peterson, que surgiria numa geração futura. Ele era um solista rico,
quente e fluente, e sua expressão pianística tem algo de impressionista e algo
de erudito.
Duke Ellington se
considerava um “pianista de orquestra”, aquele que está no grupo para dar
suporte aos músicos, quer por meio de um acorde de preparação, quer por meio de
riffs para complementar os vazios propositalmente colocados nos
arranjos, e todas as suas intervenções valorizavam tremendamente a sua música.
Isto não significa
que Ellington não executasse solos. Ele os faz com perfeição, como em “Looking
Glass” ou “Swampy River” ou, em boa parte das suas músicas, como parte da
execução da própria orquestra.
Numa delas, “Take
The A Train”, cuja composição e arranjo têm a responsabilidade de Billy
Strayhorn, ele executa uma introdução histórica, que retrata toda a harmonia
complicada da música e segue num crescendo, preparando a entrada triunfal dos
metais em grande estilo. Não é à toa que esta música foi escolhida como seu
prefixo musical e como tema-símbolo da orquestra durante mais de trinta anos, e
ainda é utilizada como back-ground de
programas radiofônicos de jazz no mundo inteiro e até como tema de abertura de
shows de grupos de rock.
Sua produção
musical era crescente, não apenas no aspecto quantitativo, como também no
sentido da qualidade da obra, e representava um libelo em defesa dos direitos
dos negros, sempre de uma forma pacífica, como era do seu feitio.
Ao compor a suíte
“Black, Brown And Beige”, um jazz sinfônico apresentado no Carnegie Hall em
janeiro de 1943 – que serviu como base para um projeto musical denominado “A
Tone Parallel To The American Negro” – Ellington colocou na partitura sonora a saga
do negro e a dedicou aos setecentos haitianos que vieram para a América lutar
na Guerra de Secessão.
A partir desta
obra, um marco na sua carreira, Ellington incrementou o número de composições
de peças sinfônicas e obras longas a uma incrível proporção de uma peça por
ano, surgindo na seqüência “Perfume Suite”, “Deep South Suite”, “Liberian
Suite”, “The Tatooed Bride”, “New World A-Comin’ ” e “Harlem Suite” (também
conhecida por “A Tone Parallel To Harlem”). Ele também escreveu peças para
serem executadas pelos seus músicos acompanhados pelas Orquestras Sinfônicas de
Paris e Estocolmo (“Night Creature”), de Hamburgo (“Non-Violent Integration”),
de Milão (“La Scalla / She’s Too Pretty To Be Blue”); pela Orquestra da NBC
(“Harlem”); e uma obra encomendada pela Orquestra Sinfônica de Nova York (“The
Golden Broom And The Green Apple”).
Esta sua incursão
no campo erudito, apesar de lhe ter valido alguns artigos amargos escritos por
críticos de jazz mais ortodoxos, nunca tirou o “swing” da sua música, presente em diversas passagens com as intervenções
interessantíssimas dos naipes dos instrumentos e dos seus solistas principais –
o trompetista e violinista Ray Nance (que substituíra Cootie Williams quando
este se bandeou para a orquestra de Benny Goodman), os clarinetistas e
saxofonistas Jimmy Hamilton, Russell Procope, Paul Gonsalves e Johnny Hodges, e
o saxofonista-barítono Harry Carney.
Ellington sempre
manteve presente na sua obra, que ele chamava de “black music”, a pura essência da alma do negro, que caracterizou o
seu som e o tornou diferente de qualquer outro tipo de jazz sinfônico produzido
depois. Pode-se dizer que Armstrong, Parker, Gillespie, Davis, Coltrane, Monk e
diversos outros músicos geniais tocavam jazz. Mas, a exemplo dos Beatles – que não
tocavam rock, como as outras bandas de
rock, mas tocavam “beatles” – pode-se afirmar diante da musicografia de Duke Ellington,
que ele não tocava jazz, e sim um estilo de música que podemos chamar de música ellingtoniana.
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