sexta-feira, 24 de julho de 2020





AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 5 - O SONHO
(epílogo)

Duke Ellington tem cerca de três mil composições, entre suítes, baladas, sinfonias, gospel, música sacra e diversas formas de jazz, desde o dançante até o mais sofisticado, e se nem toda a sua obra pode ser definida como blues, todas elas contêm o blues como o seu mais elevado ingrediente.
Nelas, pode-se sentir o brilhantismo do compositor e das suas intrincadas soluções musicais, repletas de harmonias soberbas, de intervalos insperados e de uma grande inspiração pianística.
Ellington possuía o virtuosismo de Art Tatum, a alegria de Thomas “Fats” Waller, a malandragem de Count Basie, o “stride” de Willie “The Lion” Smith e até a técnica de Oscar Peterson, que surgiria numa geração futura. Ele era um solista rico, quente e fluente, e sua expressão pianística tem algo de impressionista e algo de erudito.
Duke Ellington se considerava um “pianista de orquestra”, aquele que está no grupo para dar suporte aos músicos, quer por meio de um acorde de preparação, quer por meio de riffs para complementar os vazios propositalmente colocados nos arranjos, e todas as suas intervenções valorizavam tremendamente a sua música.
Isto não significa que Ellington não executasse solos. Ele os faz com perfeição, como em “Looking Glass” ou “Swampy River” ou, em boa parte das suas músicas, como parte da execução da própria orquestra.
Numa delas, “Take The A Train”, cuja composição e arranjo têm a responsabilidade de Billy Strayhorn, ele executa uma introdução histórica, que retrata toda a harmonia complicada da música e segue num crescendo, preparando a entrada triunfal dos metais em grande estilo. Não é à toa que esta música foi escolhida como seu prefixo musical e como tema-símbolo da orquestra durante mais de trinta anos, e ainda é utilizada como back-ground de programas radiofônicos de jazz no mundo inteiro e até como tema de abertura de shows de grupos de rock.
Sua produção musical era crescente, não apenas no aspecto quantitativo, como também no sentido da qualidade da obra, e representava um libelo em defesa dos direitos dos negros, sempre de uma forma pacífica, como era do seu feitio.
Ao compor a suíte “Black, Brown And Beige”, um jazz sinfônico apresentado no Carnegie Hall em janeiro de 1943 – que serviu como base para um projeto musical denominado “A Tone Parallel To The American Negro” – Ellington colocou na partitura sonora a saga do negro e a dedicou aos setecentos haitianos que vieram para a América lutar na Guerra de Secessão.
A partir desta obra, um marco na sua carreira, Ellington incrementou o número de composições de peças sinfônicas e obras longas a uma incrível proporção de uma peça por ano, surgindo na seqüência “Perfume Suite”, “Deep South Suite”, “Liberian Suite”, “The Tatooed Bride”, “New World A-Comin’ ” e “Harlem Suite” (também conhecida por “A Tone Parallel To Harlem”). Ele também escreveu peças para serem executadas pelos seus músicos acompanhados pelas Orquestras Sinfônicas de Paris e Estocolmo (“Night Creature”), de Hamburgo (“Non-Violent Integration”), de Milão (“La Scalla / She’s Too Pretty To Be Blue”); pela Orquestra da NBC (“Harlem”); e uma obra encomendada pela Orquestra Sinfônica de Nova York (“The Golden Broom And The Green Apple”).
Esta sua incursão no campo erudito, apesar de lhe ter valido alguns artigos amargos escritos por críticos de jazz mais ortodoxos, nunca tirou o “swing” da sua música, presente em diversas passagens com as intervenções interessantíssimas dos naipes dos instrumentos e dos seus solistas principais – o trompetista e violinista Ray Nance (que substituíra Cootie Williams quando este se bandeou para a orquestra de Benny Goodman), os clarinetistas e saxofonistas Jimmy Hamilton, Russell Procope, Paul Gonsalves e Johnny Hodges, e o saxofonista-barítono Harry Carney.
Ellington sempre manteve presente na sua obra, que ele chamava de “black music”, a pura essência da alma do negro, que caracterizou o seu som e o tornou diferente de qualquer outro tipo de jazz sinfônico produzido depois. Pode-se dizer que Armstrong, Parker, Gillespie, Davis, Coltrane, Monk e diversos outros músicos geniais tocavam jazz. Mas, a exemplo dos Beatles – que não tocavam rock, como as outras bandas de rock, mas tocavam “beatles” – pode-se afirmar diante da musicografia de Duke Ellington, que ele não tocava jazz, e sim um estilo de música que podemos chamar de música ellingtoniana.



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