AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 6 – A EXPANSÃO MUNDIAL DO SWING
De acordo com
declaração feita por um porta-voz cultural do Consulado Geral dos Estados
Unidos durante uma palestra ministrada no Rio de Janeiro na década de 1980, “A história da música popular dos Estados
Unidos da América é uma tapeçaria musical rica e variada. Blues, jazz, swing,
country, soul, folk, bluegrass, rock and roll, rhythm & blues, gospel,
jazz-rock, funk, hip-hop e rap – todos estes estilos se espalharam pelo mundo
levando alegria e consolo a um sem número de pessoas. A maior parte dessas
músicas evoluiu a partir de uma raiz comum do blues – que, por sua vez, tem
raízes nos cantos dos escravos negros do sul dos Estados Unidos, assim como na música da África”.
Para que o leitor
entenda melhor este enredo, a partir dos antigos field hollers (trabalhadores
que entoavam cantos com gritos e alteração no ritmo durante a execução do
trabalho), das work songs (canções entoadas em um beat
constante por trabalhadores braçais), e do primitive
blues (canções de lamento também conhecidas como folk blues), foram surgindo outros tipos de blues, como os antigos country
blues (ou rural blues), archaic
blues e cajun blues. Todas essas
correntes se originaram na época do trabalho escravo e se desenvolveram depois
da Guerra Civil (terminada em 1865) para se consolidar no blues do delta do Mississipi, representado por W.C.Handy, Charley
Patton, Willie Brown, Blind Willie Johnson e Robert Johnson, entre outros, e
mais tarde no blues de Chicago, com
Muddy Waters, Willie Dixon, Howlin’ Wolf, T-Bone Walker, John Lee Hooker e B.B.King.
Mas o blues adquiriu a sua
característica urbana no início do século vinte, quando foram experimentadas
incursões blueseiras mais modernas, fazendo surgir o classical blues (da forma
como ele era interpretado pelas “cantoras de blues” – Gertrude “Ma”
Rainey, Mamie Smith, Bessie Smith, Lucille Hegamin, Ethel Waters, Alberta
Hunter, Edith Wilson, e outras) e uma variante que conduziu ao boogie-woogie durante os anos 1920-1930
(com os pianistas Jimmy Yancey, Pete Johnson, Meade Lux Lewis, Albert Ammons e
outros). A seguir, na década de 1940, surgiu o rhythm & blues, uma
espécie de precursor do rock and roll,
pontificando Louis Jordan, Big Joe Turner, Jimmy Whiterspoon, Roy Brown, Billy
Wright, Wynonie Harris e Paul Williams, entre outros.
Anos depois, a
música negra deu um grande salto, abraçada que foi pela gravadora Motown, fundada
por Barry Gordy em 1959 com o nome de Tamla Records e fazendo crescer o soul nos anos 1960 com um catálogo congregando
artistas dos mais respeitáveis – The Four Tops, Marv Johnson, Marvin Gaye, Aretha
Franklin, Stevie Wonder, James Brown, Isaac Hayes, The Isley Brothers, Commodores,
Diana Ross & The Supremes, The Temptations, The Jackson Five, Billy Paul,
Otis Redding e outros mais – para depois desembocar no funk e nos ritmos dos guetos nos anos 1970 e 1980 e no hip-hop e rap dos anos 1990 e 2000.
As modificações
impostas no ragtime pelos pianistas
do jazz de Nova Orleans provocaram por sua vez entre 1900 e 1917 o aparecimento
do stomp de Nova Orleans, também chamado
por alguns estudiosos de primitive jazz
ou traditional jazz, que se
transformou entre 1917 e 1926 no dixieland
e no estilo chicago, também conhecidos como oldtime
jazz. Os músicos deste período – Buddy Bolden, Jelly Roll Morton, Freddie
Keppard, Joe King Oliver, Louis Armstrong, Kid Ory e tantos outros – são historicamente
os verdadeiros mentores de todo o jazz que viria dali pra frente.
Mais tarde – de
1927 a 1934 – aconteceu o período denominado pre-classical, com o abrandamento do jazz tradicional e o
surgimento do swing, ao qual foi
atrelado o estilo kansas city.
Graças a figuras
como Louis Armstrong, Roy Eldridge e Coleman Hawkins, o jazz tradicional
vivenciou uma espécie de renascimento no período de 1935 a 1945 e foi cultivado
ao lado do swing, período em que os
estudiosos chamam de classical jazz.
Ao mesmo tempo, no
início dos anos 1940, chegava o bebop,
dando início a um outro período, conhecido como modern jazz. Tudo sem prejuízo do swing que continuaria se desenvolvendo até meados dos anos 1950.
Desta forma, todas
as tendências provenientes do blues e
do ragtime propiciaram o crescimento
desta frondosa árvore musical, que vai do stomp
ao swing e do swing ao bebop e seus derivados – cool jazz, hard bop, west coast, east coast – seguindo com o progressive, o third-stream, o mainstream,
o funky e o free jazz, e caminhando logo depois para diversas outras direções,
com derivativos para o smooth jazz, o
latin jazz, o jazz fusion, o ska jazz,
o acid jazz, a world music e todas as experiências surgidas no século vinte.
É estranho que um
país com toda esta diversidade musical tivesse que construir a sua história a
partir do nada, contando apenas com o que lhe fora passado pelos colonizadores
e pelos escravos trazidos do continente africano, posto que a matéria prima
local – os nativos do território americano – praticamente em nada contribuiu
para a sua consolidação musical.
Partindo de pontos
isolados, a música americana começou a se moldar definitivamente a partir da
metade do século dezenove, principalmente através da disseminação do blues primitivo, quando ele abandonou as
origens dos campos da plantação de algodão e das construções das ferrovias para
se fixar nas cidades. A urbanização do blues
contribuiu para tirá-lo do anonimato junto com seus cantores e foi um passo
decisivo para que houvesse um contato definitivo entre o blues e os músicos que tocavam nos salões e nos cabarés.
O blues, ao trazer a sua estrutura para as
principais cidades do sudoeste americano, foi a peça fundamental que faltava
para unir uma série de elementos que existiam isoladamente, mas que não
conseguiam se consolidar. A música americana tinha os tijolos, as pedras e os
ladrilhos. O blues foi a argamassa
que apareceu para juntar todos estes elementos, se constituindo na matéria
prima de uma arte musical que iria futuramente representar os Estados Unidos em
todo o mundo.
A absorção dos
elementos do blues pelos músicos
urbanos foi rápida e eficiente. Em pouco tempo o blues tomava conta do panorama musical do sul do país, notadamente
na Louisiana e estados vizinhos, seguindo rio acima, por toda a região próxima
ao Mississipi, chegando até às cidades onde o ragtime era cultivado, como Kansas City e Saint Louis. Assim, blues e ragtime se encontraram e impuseram a cultura musical negra mesmo
nas áreas mais brancas fora dos arredores de Nova Orleans, e o jazz, ainda sem
ser conhecido por este nome, já começava a ganhar espaço em diversas regiões do
território norte-americano.
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