AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 9 - A MARATONA
Susan
encostou o
rosto na barba picante e úmida de Philip Stainer, e sentiu um cheiro azedo que
exalava da pele gordurosa de um rosto que havia dias não sabia o que era água e
sabão.
Do seu próprio
corpo esmaecido emanava um odor de suor de alguns dias, e sua face pálida
também mostrava sinais de que carecia de higiene.
No entanto, eles
ainda se abraçavam, embalados num movimento lânguido que tentava acompanhar o
ritmo arrastado de “Once In A While”, interpretado de forma lamentável por uma
orquestra sem inspiração, na qual um trombonista de poucos recursos tentava
imitar Tommy Dorsey.
Ao seu lado,
alguns casais tropeçavam no cansaço e perdiam o equilíbrio, esbarrando em Susan
e Philip, fazendo com que eles despertassem momentaneamente do torpor no qual
estavam mergulhados.
Para Susan cada
esbarrão parecia o soar de um gongo ribombando na sua cabeça. A cada choque com
outro casal, Philip parecia acordar e tentava se aprumar – afinal era ele quem
deveria conduzir a dança, era ele o responsável por seguir em frente naquela
louca situação de agonia.
Àquela altura, os
pares se apoiando um no outro, eles já tinham perdido a noção do tempo, pois
dias e noites haviam passado numa lenta sucessão, com a música se insinuando
pelos ouvidos e pelo cérebro junto com os gritos de incentivo do público ou de
advertência dos juízes, que não permitiam paradas mais longas do que cinco
míseros segundos, mesmo que fosse para recuperar o fôlego.
Melhor
assim, conseguiu raciocinar Philip, pois se parassem totalmente com certeza
desabariam de sono e de fadiga no tablado de madeira que parecia um enorme
ringue pugilístico.
Os
olhos já não conseguiam focar as pessoas, e os objetos pareciam se aproximar e
se afastar, num movimento desordenado ponteado por minúsculas luzes coloridas
que piscavam intermitentemente.
-0-0-0-
Quase duas semanas
haviam passado desde que Susan fora bater à porta de Philip, um espigado
rapagão de vinte e tantos anos que morava com a mãe numa casa localizada nos
fundos de uma espécie de vila coletiva, para lhe propor a incrível aventura.
Susan Goldstein
era uma jovem de classe média que também estava às voltas com a sobrevivência,
depois que o armazém de secos e molhados do seu pai teve que fechar as portas
pela falta de fregueses e pelo excesso de contas a pagar para os fornecedores.
Philip sempre
tivera uma queda por ela, desde que há quatro anos ele se mudara para Nova York
na companhia da mãe e de um irmão mais novo, vindos de Richmond, na Virgínia, à
cata de uma profissão e de uma vida decente. Foi, portanto, com uma agradável
surpresa que ele a recebeu para ouvir uma proposta que, de acordo com ela,
seria irrecusável.
“Um tal Dill
Benson, recém-chegado de Saint Louis” – dissera ela – “estava na cidade
trazendo boas novas para aquecer a economia doméstica, afugentar a crise e,
segundo dizia a propaganda, balançar as estruturas da cidade”.
Tratava-se de um
concurso de dança, onde não seria necessário ao candidato possuir grandes
habilidades, exigindo simplesmente muita obstinação e resistência.
Eles poderiam se
inscrever, disse Susan, e concorrer a diversos prêmios cuja soma chegava a
centenas de dólares – ela não tinha certeza do valor exato – além de
provavelmente proporcionar algum emprego fixo para os finalistas.
Emprego fixo era a
palavra-chave e a obsessão do momento, e como Philip Stainer também estava
desempregado e devendo alguns meses de aluguel para o senhorio, a proposta de
Susan parecia ter vindo a calhar. Se nada desse certo, pelo menos ele se
aproximaria dela de uma forma definitiva.
No fundo, Philip,
a quem ela chamava de Phil, um jovem tímido e recatado com cabelos cor de areia
emoldurando um rosto triste, odiava a ideia de se expor em público, mas ficou
fascinado com a proposta porque isto representava um passo adiante nas suas
relações com Susan. Afinal, ficar abraçado com a garota dos seus sonhos e ainda
por cima ganhar dinheiro e – quem sabe um emprego – parecia ser uma boa
sugestão.
Tudo acertado, no
dia seguinte Phil e Susan se dirigiram ao local que já estava sendo montado em
um terreno baldio que ficava atrás dos galpões da estrada de ferro. Lá, diante
de uma pequena casa de madeira que servia de escritório, perfilava uma
considerável quantidade de casais.
Será um concurso e
tanto, pensou Phil, enquanto segurava a sorridente Susan pela mão e acariciava
três moedas de um dólar com a outra mão, taxa que cada par tinha que pagar à
organização do concurso no ato da inscrição.
Depois de quase
duas horas de espera eles foram finalmente atendidos pelo próprio Dill Benson,
um sujeito encorpado de ombros largos e olhos astutos que portava uma larga
bigodeira, trajando chapéu de copa larga e um terno de tecido grosso que era um
despropósito para o calor que fazia em pleno verão novaiorquino.
Dill os
cumprimentou e parabenizou pela decisão, e em seguida pediu os três dólares
previstos para a inscrição, fornecendo a seguir uma ficha impressa em letras
miúdas para ser devidamente preenchida.
Enquanto eles
preenchiam a ficha, o senhor Benson argumentou que a premiação ainda estava
sendo definida. Depois, perguntou se havia alguma coisa em especial que eles
queriam saber – não havia – desejou boa sorte ao casal e pediu para que eles se
apresentassem no mesmo local dali a três dias ao cair da noite – “lá pelas seis horas” – pois o concurso
de dança seria iniciado às oito.
O senhor Benson os
orientou para que assinassem no lugar devido e relessem a sua cópia do
regulamento com cuidado a fim de evitar reclamações posteriores.
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