sábado, 29 de agosto de 2020

 




AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 9 - A MARATONA
            (continuação)

Na tarde-noite da estréia lá estavam Phil e Susan, de mãos dadas como dois namorados, vestidos com a sua melhor roupa de domingo e ansiosos para o início da aventura, ele trazendo na face o sorriso apalermado dos apaixonados, ela com a expressão triunfante dos vencedores brilhando num rostinho bonito.

Eles receberam o número vinte e sete pintado num quadrado de pano que foi costurado às pressas nas suas costas, e juntos com os demais participantes foram colocados a par das instruções finais: todos os casais dançariam ininterruptamente até que sobrassem apenas cinco duplas, quando um júri composto por três pessoas – “especialistas”, segundo o orientador – iria determinar quais seriam os vencedores do primeiro ao quinto lugar. Os prêmios, que ainda não haviam sido estipulados, seriam pagos na noite desse mesmo dia, na presença do público.

Muitos produtores de shows estariam presentes – ele afirmou – portanto era possível que algum casal caísse nas graças de algum deles para estrelar, quem sabe, na Broadway, ou até mesmo – frisou ele, arregalando os olhos – em Hollywood!

Finalmente o Senhor Benson se retirou de cena, deixando um auxiliar encarregado de continuar com a peroração, alertando para detalhes específicos como alimentação, necessidades especiais de higiene e atendimento médico. Não estava descartada uma desclassificação antecipada, que poderia acontecer a critério exclusivo da organização, sem direito a qualquer tipo de reclamação.

Todos assentiram mudamente, como soldados que se preparam para iniciar uma batalha decisiva.

Soou então uma sirene estridente e irritante, marcando o início do concurso, ao som da orquestra de um tal Dale Johnson, que atacou um conhecido sucesso de Cab Calloway denominado “The Man From Harlem”.

Com mais de sessenta casais rodopiando no enorme tablado foi iniciada a maratona, cujo final era inteiramente imprevisível. Do lado de fora chapéus eram atirados para o alto, e gritos de “hurrah” podiam ser ouvidos mesmo por quem estivesse longe, como se o público estivesse num rodeio do meio-oeste.

O baile seguiu noite adentro, e quem se postasse a uma centena de metros de distância podia ver um enorme salão iluminado e sonoro, servido por janelões generosos que ventilava o ambiente e tornava a música quase etérea.

 

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No início, tudo parecia muito divertido.

Alguns casais – não era o caso de Susan e Phil – esbanjavam precocemente uma energia que iria fazer falta no futuro, sem atentar para a duração imprevista da maratona que ali se iniciava.

Passados oito dias, lá estavam Susan e Philip, completamente alheios ao mundo exterior, vagando como dois fantasmas, sem conseguir sentir as pernas, magros, macilentos, com a roupa suja e amarrotada, os sapatos rotos e os pés em pandarecos.

Lá fora o sol se punha, preguiçoso, marcando o final de mais um dia de provação.

Do centro do ringue se espalhava um odor acre e nauseabundo que pairava por todo o auditório, mesmo com a ventilação que provinha de um largo portão e dos janelões laterais estrategicamente abertos.

Dos sessenta casais que haviam iniciado a empreitada ainda restavam sete, Phil e Susan incluídos. Os pares haviam perdido a noção de espaço, e apesar da imensidão do tablado ainda de trombavam e se esbarravam, como que procurando um apoio inconsciente.

Os olhares sem brilho se cruzavam no vazio, sem se ver, como se todos fossem espectros.

De repente, Susan sentiu que o chão começou a se deslocar, como se tivesse apoiado sobre rodas. Olhou para o alto e viu as lâmpadas de iluminação a gás girando como se fossem levantar voo, completamente fora de foco para os seus olhos opacos.

Ela tentou resistir, mas a sensação era mais forte. Susan foi levada pelo turbilhão, se agarrou a Philip com todas as forças que lhe restavam e deixou cair seu corpo sobre o dele.

Ela se viu flutuando, e a dor que sentiu quando bateu a cabeça com força no tablado fê-la pensar que o céu tivesse desabado sobre eles.

Abriu novamente os olhos e viu Phil também caído, a boca aberta salivando e a face pálida e sem expressão, enquanto ouvia gritos e gargalhadas que pareciam vir de um túnel de vento.

A aventura chegara ao fim.

 

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