AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 10 - CERTO DIA DE JANEIRO
(continuação)
O dia 16
de janeiro amanheceu
gelado.
O sol aparecera
tímido por detrás das nuvens escuras, mas apenas depois das dez horas, e havia
uma previsão pouco otimista de alguma neve ao entardecer. O trânsito nervoso de
Nova York já fazia entender, desde cedo, que aquele domingo seria especial, com
muita gente se deslocando de um lado para o outro como formigas tresloucadas à
procura de um rumo.
Os restaurantes
abriram suas portas para receber um público comensal maior do que o habitual, e
havia um comentário muito forte a respeito do swing que iria tomar conta da cidade tão logo começasse o
anoitecer.
Desde o início da
tarde o público fazia fila na frente do Carnegie Hall para comprar ingressos, e
antes do anoitecer o teatro já estava totalmente lotado, misturando o
inevitável público do swing com alguns
dos sisudos frequentadores da casa que estavam pagando para ver a novidade.
Havia um frenesi no ar, emoldurado pelos letreiros luminosos que faziam da
Midtown Manhattan um espetáculo à parte.
Na rua, vendedores
ambulantes de castanhas tocavam o seu negócio em meio ao vapor dos caldeirões
para aquecer um pouco o estômago dos entusiasmados fãs, e centenas de
retardatários encapotados, usando chapéus e luvas, tentavam em vão adquirir o
seu ingresso para adentrarem o recinto.
Na esquina do
outro lado, remanescentes natalinos representando o Exército da Salvação
entoavam os seus hinos enquanto solicitavam aos passantes alguma contribuição
para os menos afortunados.
Dentro do teatro,
o público aguardava ansioso pelo início do espetáculo, devidamente sentado nas
poltronas numeradas e nos camarotes. Alguns poucos que conseguiram burlar a
exigência da lotação máxima se acomodavam nos corredores, cena incomum de se
ver naquele lugar.
Todos tinham a
consciência de que iriam assistir pela primeira vez a um show de jazz – na
forma de swing – no templo máximo de
Nova York, e sabiam também que, desta vez, não lhes seria permitido dançar,
pois o regulamento do teatro e até mesmo a própria falta de espaço físico
tornavam este desejo impossível.
Quando as luzes da
platéia começaram a ser reduzidas e os três toques tradicionais da sineta
anunciaram que o espetáculo estava para ser iniciado, fez-se um silêncio
profundo.
As pesadas
cortinas de veludo escarlate foram se abrindo lentamente, apresentando os
músicos da orquestra devidamente alinhados nos seus lugares. A tensão aumentou
e o público irrompeu num prolongado aplauso quando Goodman, muito elegante no
seu traje de gala, entrou no palco. O maestro parou perto do centro, ficou de
costas para os seus músicos, agradeceu o carinho de todos de um modo firme e
sorridente, esperou pelo arrefecimento das palmas, fez um gesto com a mão
esquerda, e deu início ao tema “Don’t Be That Way”.
Enquanto a música
coloria o ambiente, Irving Kolodin, que não cabia em si de contente, se agitava
na coxia.
À medida que a
orquestra fazia soar a sua bela e consistente melodia dentro da magnífica
acústica do teatro, Kolodin se congratulava consigo mesmo por ter sido um dos
organizadores do espetáculo. Talvez a sua alegria não tivesse muita conexão com
a música em si, mas sim com a repercussão histórica que ele adivinhava o
espetáculo viria a ter, além do sentimento do dever cumprido e da farta
bilheteria que ele e seus sócios – Geraldo Groode e Steve Hurok – iriam
conferir.
Durante as duas
horas e meia de espetáculo, o teatro ficou impregnado com a magia do clarinete
de Benny Goodman e com a excelência dos seus músicos, tanto na apresentação do
quarteto como no desempenho da orquestra. O show teve ainda a participação de
outros músicos convidados, como o sax-tenorista Arthur Rollini, o pianista Jess
Stacy e o cornetista Bobby Hacket, ou “tomados por empréstimo” de outras
orquestras, como o sax-barítono Harry Carney, o sax-soprano e alto Johnny
Hodges e o trompetista Cootie Williams (todos de Duke Ellington) e o
contrabaixista Walter Page, o sax-tenorista Lester Young, o guitarrista Freddie
Green e o trompetista Buck Clayton (da orquestra de Count Basie). O próprio
Basie também marcou presença, ao piano.
O show seguiu num
crescendo – e parecia que já não mais fazia frio em Nova York – mantendo o
público entusiasmado e se agitando nas poltronas, dançando de uma maneira cômica
e comportada sem sair do lugar.
As músicas iam se
sucedendo – “I Got Rhythm”, “Swingtime In The Rockies”, “China Boy”, “Honeysuckle Rose”
– ao mesmo tempo em que a orquestra crescia no seu desempenho e o público
acompanhava com gritos e palmas, coisa rara de ser vista no teatro.
Do lado de fora, a
multidão que se formara para tentar em vão obter o seu ingresso ainda
permanecia aglomerada, ouvindo um resto de som que chegava abafado vindo do
lado de dentro do teatro, que invadia a Sétima Avenida como uma alegre música
celestial.
A principal obra
do trompetista Louis Prima, “Sing,
Sing, Sing” – que tradicionalmente fechava as audições de Goodman na
época – ecoou pelo teatro, dando cores finais a um dos shows que marcaram época
na história da música norte-americana.
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