AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 11 - O RE DO SWING
Benny
Goodman estava
confortavelmente escarrapachado numa poltrona de couro colocada diante do enorme
espelho que tomava conta de toda a parede oposta do camarim. Apesar da posição,
ele podia ver seu rosto feericamente iluminado pelas dezenas de lâmpadas que
estavam colocadas simetricamente sobre o espelho, e não percebeu nenhuma
mudança no ar de seriedade que os óculos de aro claro lhe emprestavam.
A camisa,
imaculadamente branca com detalhes bordados, estava aberta no alto do peito,
dando ao maestro um ar descontraído, mas os dedos, que tamborilavam sobre o
braço lateral da poltrona, demonstravam uma ansiedade mais do que natural, dada
a importância do evento.
O paletó do
costume de gala estava dependurado no cabide junto à parede adjacente, e com
ele uma tira irregular de cetim preto que se transformaria numa gravata
borboleta no momento apropriado.
Goodman aguardava
o aviso da produção previsto para quando faltassem cinco minutos para o início
do espetáculo, ocasião em que ele faria os retoques finais. No momento, ele
procurava apenas repousar e se concentrar.
O maestro queria
ficar completamente isolado mesmo que fosse por alguns instantes, mas era
constantemente procurado por alguns dos seus músicos, que também pareciam
nervosos com a expectativa criada, e vinham buscar alento sob as suas asas.
Primeiro foi Alan
Reuss, o guitarrista, que se dizia preocupado com algum detalhe no arranjo de
“Blue Room”, recém-incluída no repertório. Dois minutos depois foi a vez do
saxofonista Hymie Schertzer, tecendo algum comentário sobre a afluência do
público. Finalmente entrou um auxiliar da produção que se apresentou como sendo
Charlie, querendo se assegurar de que o maestro não precisava de alguma coisa,
como um copo d’água ou – ele cochichou perto do ouvido de Goodman – uma dose de
conhaque, ao que Goodman o dispensou com um sorriso gentil e um gesto negativo
de cabeça.
O experiente
trombonista Vernon Brown por duas vezes esticou o pescoço para dentro do
camarim, mas não se arriscou a dizer coisa alguma, pois percebeu um clima de
tensão no ar.
Benny Goodman
estava tenso, sim, mas se é que isto fosse possível, ele estava tenso no bom
sentido. Goodman sabia que a partir daquela noite ele estaria fazendo parte da
história, apresentando-se para um auditório lotado de fãs e pisando no mesmo
palco onde já haviam pisado o tenor Enrico Caruso, o pianista Jan Paderewski, o
maestro Arturo Toscanini, o mestre Igor Stravinsky, o violoncelista Pablo
Casals, a bailarina Anna Pavlova, as orquestras sinfônicas de Detroit, Chicago,
Nova Jersey e Nova York, e outros tantos quantos astros e estrelas da música
erudita, do teatro e do balé clássico.
Quando Vernon
Brown enfiou a cabeça pela terceira vez, invadindo a soleira do camarim,
Goodman pediu para que ele fechasse a porta e o deixasse a sós, pois precisava
meditar um pouco.
Apesar de entender
a importância do espetáculo, ele não fazia a mínima idéia de que o concerto que
seria realizado dali a poucos minutos iria ampliar os horizontes do swing e marcar aquela data de uma
maneira histórica. Mas estava claro que algo de extraordinário estava para
acontecer, e isto era patente por causa dos comentários da semana, da
expectativa dos críticos, da euforia do público, da expressão feliz dos
produtores e da inquietação dos músicos.
Na primeira vez em
que abria as suas portas monumentais para a apresentação de uma orquestra
popular, o Carnegie Hall estava completamente lotado. Na apreciação contábil de
Hymie Schertzer, toda a lotação dos 2.760 lugares havia sido vendida a um preço
de dois dólares e setenta e cinco centavos por cabeça, gerando uma bilheteria
de quase oito mil dólares, uma fortuna para a época.
E ele, Benny
Goodman, seria o condutor da orquestra!
Nos poucos minutos
em que conseguiu ficar isolado no recôndito do seu camarim, Benny Goodman viu
passar diante de si toda a sua vida.
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