quinta-feira, 10 de setembro de 2020

 



AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 11 - O RE DO SWING

Benny Goodman estava confortavelmente escarrapachado numa poltrona de couro colocada diante do enorme espelho que tomava conta de toda a parede oposta do camarim. Apesar da posição, ele podia ver seu rosto feericamente iluminado pelas dezenas de lâmpadas que estavam colocadas simetricamente sobre o espelho, e não percebeu nenhuma mudança no ar de seriedade que os óculos de aro claro lhe emprestavam.

A camisa, imaculadamente branca com detalhes bordados, estava aberta no alto do peito, dando ao maestro um ar descontraído, mas os dedos, que tamborilavam sobre o braço lateral da poltrona, demonstravam uma ansiedade mais do que natural, dada a importância do evento.

O paletó do costume de gala estava dependurado no cabide junto à parede adjacente, e com ele uma tira irregular de cetim preto que se transformaria numa gravata borboleta no momento apropriado.

Goodman aguardava o aviso da produção previsto para quando faltassem cinco minutos para o início do espetáculo, ocasião em que ele faria os retoques finais. No momento, ele procurava apenas repousar e se concentrar.

O maestro queria ficar completamente isolado mesmo que fosse por alguns instantes, mas era constantemente procurado por alguns dos seus músicos, que também pareciam nervosos com a expectativa criada, e vinham buscar alento sob as suas asas.

Primeiro foi Alan Reuss, o guitarrista, que se dizia preocupado com algum detalhe no arranjo de “Blue Room”, recém-incluída no repertório. Dois minutos depois foi a vez do saxofonista Hymie Schertzer, tecendo algum comentário sobre a afluência do público. Finalmente entrou um auxiliar da produção que se apresentou como sendo Charlie, querendo se assegurar de que o maestro não precisava de alguma coisa, como um copo d’água ou – ele cochichou perto do ouvido de Goodman – uma dose de conhaque, ao que Goodman o dispensou com um sorriso gentil e um gesto negativo de cabeça.

O experiente trombonista Vernon Brown por duas vezes esticou o pescoço para dentro do camarim, mas não se arriscou a dizer coisa alguma, pois percebeu um clima de tensão no ar.

Benny Goodman estava tenso, sim, mas se é que isto fosse possível, ele estava tenso no bom sentido. Goodman sabia que a partir daquela noite ele estaria fazendo parte da história, apresentando-se para um auditório lotado de fãs e pisando no mesmo palco onde já haviam pisado o tenor Enrico Caruso, o pianista Jan Paderewski, o maestro Arturo Toscanini, o mestre Igor Stravinsky, o violoncelista Pablo Casals, a bailarina Anna Pavlova, as orquestras sinfônicas de Detroit, Chicago, Nova Jersey e Nova York, e outros tantos quantos astros e estrelas da música erudita, do teatro e do balé clássico.

Quando Vernon Brown enfiou a cabeça pela terceira vez, invadindo a soleira do camarim, Goodman pediu para que ele fechasse a porta e o deixasse a sós, pois precisava meditar um pouco.

Apesar de entender a importância do espetáculo, ele não fazia a mínima idéia de que o concerto que seria realizado dali a poucos minutos iria ampliar os horizontes do swing e marcar aquela data de uma maneira histórica. Mas estava claro que algo de extraordinário estava para acontecer, e isto era patente por causa dos comentários da semana, da expectativa dos críticos, da euforia do público, da expressão feliz dos produtores e da inquietação dos músicos.

Na primeira vez em que abria as suas portas monumentais para a apresentação de uma orquestra popular, o Carnegie Hall estava completamente lotado. Na apreciação contábil de Hymie Schertzer, toda a lotação dos 2.760 lugares havia sido vendida a um preço de dois dólares e setenta e cinco centavos por cabeça, gerando uma bilheteria de quase oito mil dólares, uma fortuna para a época.

E ele, Benny Goodman, seria o condutor da orquestra!

Nos poucos minutos em que conseguiu ficar isolado no recôndito do seu camarim, Benny Goodman viu passar diante de si toda a sua vida.

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