AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 10 - CERTO DIA DE JANEIRO
O dia 16 de janeiro de 1938 foi muito significativo para o swing e seus admiradores. Dois eventos inesquecíveis marcaram a data, começando no início da noite e atravessando a madrugada do dia seguinte, com muita música e muito “frisson” para o público novaiorquino que se identificava com o jazz e com as big bands.
Foi neste dia que
a orquestra de Benny Goodman rompeu todas as barreiras artísticas e se
apresentou no famoso Teatro Carnegie Hall, onde realizou o primeiro concerto de
swing-jazz, dentro de um espaço que
sempre fora tradicionalmente reservado para apresentações de música erudita,
cantores líricos e espetáculos teatrais. No mesmo dia, horas mais tarde, o
Savoy Ballroom foi o palco de uma exibição de gigantes – o tira-teima entre
Count Basie e Chick Webb – num confronto musical que levou os frequentadores ao
delírio.
O show do Carnegie
Hall nasceu de uma jogada publicitária de um agente de Goodman chamado Wynn
Nathanson e teve o respaldo do empresário teatral Geraldo Groode, que estava
buscando ingressar no ramo da música popular. Nathanson se questionava por que
razão o local não poderia abrigar novas experiências além das apresentações
eruditas, e decidiu lutar por uma mudança. Chamou Groode para uma conversa, e como
a ideia lhe pareceu comercialmente boa, Groode começou a alinhavar os pontos.
Mesmo com a
mudança do tipo de música a ser apresentada não haveria qualquer problema com a
organização do teatro, pois lá tudo era extremamente profissional. A estrutura
do Carnegie Hall contava com uma equipe muito bem treinada e era perfeita em
todos os outros detalhes – bilheteria, camarins, equipamento de som e luz e
apoio logístico. Também não havia o que temer com o sucesso musical, pois a
orquestra de Benny Goodman era também perfeita nos mínimos detalhes, sempre bem
ensaiada e pronta para detonar em qualquer situação de emergência.
O xis da questão
era o ineditismo da proposta. Pela primeira vez um produtor estava ousando
propor uma apresentação de jazz – música própria para um salão de danças – em um
salão de concerto.
A direção do Carnegie
Hall pesou os prós e os contras e não viu qualquer problema maior, desde que
não surgisse algum detalhe complicador, como superlotação ou o comportamento inconveniente
do público, habituado com liberalidades do jazz que o teatro não concedia. A produção
se comprometeu a tomar todos os cuidados para evitar qualquer eventual
transtorno.
Os produtores também
não viam qualquer empecilho, desde que Goodman não tivesse que preparar um
repertório especial para o show, que houvesse alguma exigência do Teatro, como
a participação de algum corpo de balé ou a inclusão de efeitos coreográficos ou
cenográficos, ou ainda que nenhum artista erudito quisesse pegar carona num
evento puramente jazzístico.
Benny Goodman foi
convidado e aceitou o desafio com serenidade e otimismo. Afinal, o dinheiro era
bom, e a possibilidade de sucesso era enorme.
O que falou mais
alto, no entanto, foi a vaidade do maestro. Numa cidade onde os heróis do
momento eram Duke Ellington e Count Basie, o seu nome é que fora o indicado
para levar uma big band ao Teatro
Carnegie Hall, o lugar dos sonhos de todo artista, onde seria realizada uma
apresentação toda especial, feita em homenagem à história do jazz.
Em poucos dias
Goodman montou o repertório e revisou as partituras, utilizando os cadernos
musicais de Fletcher Henderson, Jim Mundy e Edgar Sampson, cujas músicas já
haviam se consagrado na época ao som da sua orquestra.
Goodman tinha
algumas dúvidas sobre a seqüência a ser observada e pediu a ajuda de Henderson,
que às vezes exercia o papel de conselheiro para outros músicos. Apesar do
pouco tempo disponível para fazer experiências, Goodman foi convencido por ele
a incluir uma melodia que ainda não fazia parte dos seus shows – “Blue Room” (Richard Rodgers) – e a
refazer algumas partes de “Stompin’ At
The Savoy”, um dos hits preferidos da banda, cujo coautor, Edgar
Sampson, também foi chamado para colaborar com algumas ideias.
O crítico e
coprodutor Irving Kolodin teve a ideia de batizar o show com o nome “Vinte
Anos de Jazz”, tomando por base o crescimento do jazz desde o final dos
anos 1910 até aquele momento e levando em consideração o trabalho desenvolvido
no eixo Chicago-Nova York pela Original Jass Band, por Bix Beiderbecke, Ted
Lewis, Louis Armstrong, Duke Ellington e outros.
A ideia foi
aceita, mas na definição do programa, ficou claro que qualquer menção a estes
artistas seria meramente subjetiva, pois não haveria tempo suficiente para que
fossem preparados arranjos que pudessem homenageá-los dando ênfase às peculiaridades
de cada um.
O máximo que a
direção musical se permitiria fazer seria aceitar a participação, em alguns sets, de certos músicos que não
integravam oficialmente a orquestra de Goodman, na condição de artistas especialmente
convidados.
Assim, “Vinte Anos
de Jazz” se resumiria ao swing,
deixando o jazz tradicional de lado, interpretado por dois grupos distintos,
ambos conduzidos por Benny Goodman e seu clarinete: a big band, com um
estilo que se fizera nacionalmente famoso através do programa radiofônico Let’s
Dance, e o quarteto formado por ele, Lionel Hampton no vibrafone, Teddy
Wilson ao piano e Gene Krupa na bateria, que ocasionalmente se transformava em
trio, sem a presença de Hampton.
As formações de
trio e quarteto na execução do swing
eram relativamente inusitadas, pois o público estava habituado a ouvir a forte
sonoridade das suas melodias favoritas na interpretação de orquestras
retumbantes, o que facilitava a dança e mantinha uma aparente coerência com o
espírito da música.
Nas mãos de Benny
Goodman, porém, o pequeno conjunto adquirira uma faceta interessante e digna de
marca, pois conseguia associar uma forte tendência do jazz mais convencional ao
moderno improviso individual, tudo isso sem abdicar do swing.
De fato, os solos
de Goodman, Hampton e Wilson, tendo como fundo a bateria pesada de Gene Krupa,
que vez por outra também fazia a sua exibição individual, criaram uma marca
registrada que pouca gente teve a coragem – ou a competência – de imitar.
A força e o vigor
da interpretação, no entanto, residiam no som da orquestra completa, que servia
como apoio harmônico e melódico às intervenções perfeitas do clarinetista, às
vezes alegres e brejeiras como devia ser o jazz, outras vezes solenes e
comportadas como sugeria a sua formação acadêmica.
O único provável
problema para a realização do show poderia ter sido a divulgação, mas isto foi
contornado com maestria pelos organizadores, que em menos de quinze dias
colocaram o vibrante público do swing
a par do grande espetáculo, usando como material de propaganda a própria
fachada do teatro, além de homens carregando cartazes nas costas, garotos
distribuindo folhetos, anúncios nos principais jornais da cidade e comentários
boca-a-boca entre os apreciadores.
Depois dessa
noite, Benny Goodman voltaria a se apresentar no Carnegie Hall por mais vinte e
duas vezes nos quarenta e quatro anos seguintes – seis delas executando música
erudita – sendo sua última apresentação feita em 15 de junho de 1982, durante o
Kool Jazz Festival.
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