sexta-feira, 25 de setembro de 2020

 

                                                  Na foto: o maestro e arranjador Don Redman

AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 13 - O SWING E O JAZZ

As pessoas têm a mania de rotular as coisas e de classificar fatos e eventos que elas consideram marcantes, principalmente quando começam a aprofundar o seu conhecimento a respeito do assunto.

Parece que para que um determinado tema possa ser devidamente explicado e entendido, para que uma certa filosofia possa ser absorvida ou para que uma sequência de ideias possa seguir um encadeamento lógico, é necessário que seja estabelecido um caminho entre o espaço e o tempo para mostrar uma ordenação lógica de nomes, datas e locais.

Assim, convencionou-se dizer que o jazz nasceu na Louisiana, mais exatamente em Nova Orleans, muito embora a semente do que seria o jazz tradicional fosse encontrada no início do século vinte também no Missouri (foi na cidade de Sedalia que o ragtime prosperou), na Carolina do Sul (sob a forma de charleston, nome dado em decorrência da cidade litorânea de Charleston, onde o estilo aparentemente ganhou força), e até na longínqua Baltimore, no estado de Maryland.

Existe um bom motivo, no entanto, para que Nova Orleans possa se arvorar de ser realmente o berço do jazz. Foi naquela região que nasceu e foi cultivada uma nova e única geração de americanos denominada creoles, filhos de negros com franceses ou espanhóis, que pela sua formação familiar tinham acesso a muitas fatias culturais que eram negadas àqueles que eram simplesmente negros. Os creoles tinham aula de música, frequentavam a sociedade burguesa e se aprofundavam na cultura europeia – óperas, saraus, teatro – ao passo que o negro tinha que conviver com a sua situação de escravo ou de escravo liberto, com poucas oportunidades de expandir seu universo.

Os negros traziam no sangue uma sólida formação rítmica e atonal trazida da África, origem do blues, dos hollers, das work songs e do gospel. Os creoles, por sua vez, construíram uma bagagem conceitual em termos de música, pois adquiriram uma visão organizada vinda das formações orquestrais herdadas da Europa, como a ópera, os concertos e as cantatas.

Nenhum outro lugar dentro da imensidão do território americano ofereceu aos músicos uma oportunidade igual, a união da alma e do improviso do negro com a técnica e o conhecimento musical teórico do creole, surgindo daí a centelha do jazz com as brass bands e o stomp.

Na verdade, os creoles desprezavam os negros, dos quais procuravam manter uma certa distância, mas a música rompeu a barreira da discriminação e os colocou no mesmo patamar.

É claro também que, como já mencionado em capítulos anteriores, Nova Orleans capitalizava todas as condições para receber tal honraria, pois era uma cidade cosmopolita por excelência, aberta às artes e à inovação dos costumes, abrigando diferentes pessoas de diferentes origens e nacionalidades, e sendo o berço – dentro de uma mesma época – de artistas extraordinários como Jelly Roll Morton (que teria nascido não em Nova Orleans, mas em Gulfport, uma cidadezinha próxima), John Robichaux (nascido na comarca de Thibodeaux, também na Louisiana), Oscar “Papa” Celestin, Lorenzo Tio e Alphonse Picou, todos creoles, e os negros Joe “King” Oliver, Louis Armstrong, Buddy Bolden, Freddie Keppard, Bunk Johnson, e outros lendários precursores.

Convencionou-se também, para que o jazz pudesse ser melhor compreendido e estudado, enfatizar a tabela sequencial na qual um estilo se segue ao outro – primeiro o ragtime, depois o stomp, então o dixieland, o swing, o bebop, e por aí vai – levando em conta os períodos de transição e transformação, quando a música adquire uma feição intermediária e acaba por gerar estilos alternativos que não definem com exatidão nem o estilo nem as datas dos ritos de passagem.

Assim, costuma ser dito que a Era do Swing começou no final do ano de 1935, ocasião em que se encerrava um dos mais angustiosos momentos de crise jamais vividos pelo país, com o retorno da sociedade à normalidade sendo saudado ao som de música. Na verdade, o swing, como ele foi concebido, começou em torno de 1927, quando o saxofonista e arranjador Don Redman acertou a disposição de um tipo de lineup que tornava o som da orquestra diferente do jazz tradicional, do estilo chicago ou do fox-waltz que se apreciava nos salões.

Psicologicamente, os americanos que gostavam de dançar estavam ansiosos para dar o seu grito de liberdade ao som de um impacto musical moderno que deixasse guardado no fundo de um baú o jazz xaroposo de Paul Whiteman, Jean Goldkete, Guy Lombardo e Hal Kamp e vestisse o jazz de Chicago e Nova York com uma roupagem mais cintilante. Era necessário comemorar a nova era, e esta música alegre e descontraída que provocava um “frisson” desconcertante já se fazia presente no início dos anos 1930, portanto cinco anos antes do marco registrado como oficial.

Alguns historiadores, como Barry Ulanov, uma autoridade mundial em jazz, têm suas próprias teorias. Ulanov preferiu estabelecer a data do início do swing a partir de um fato estranho e insólito, até porque pouco comentado, referente a uma personalidade talvez nem muito conhecida, a cantora e bandleader Ivie Anderson.

Em dezembro de 1935, Ivie e sua orquestra gravaram um disco sem muita pretensão – a música, de autoria de Eddie Farley e Mike Railey, se chamava “The Music Goes ‘Round And ‘Round”. Ela o fez, porém, de uma forma tão cheia de “swing” que, de repente, de acordo com Ulanov, a nova ordem estava lançada a partir dali.

Esta lenda, porém, não altera a opinião do público e dos críticos a respeito de outros marcos importantes que viriam consolidar a realidade do swing, como a música “Georgia Swing”, de Jelly Roll Morton, que não era swing, mas que em 1928 utilizou pela primeira vez a palavra “swing” no título, ou a presença decisiva de Fletcher Henderson e Jimmie Lunceford em 1932 como cimentadores da nova ideia, ou ainda a histórica gravação de Duke Ellington “It Don’t Mean A Thing (If It Ain’t Got That Swing)”, feita também em 1932.

A lenda também confirma que a explosão definitiva do swing se deu com Benny Goodman através do programa radiofônico Let’s Dance iniciado em 1934, que monopolizava as transmissões de leste a oeste.

O fato é que a grande maioria dos historiadores registra o início da Era do Swing a partir do início da temporada que Benny Goodman empreendeu no Palomar Ballroom, em Los Angeles, no dia 21 de agosto de 1935, pois foi nesta ocasião que Goodman foi agraciado com o título de “O Rei do Swing”.

Discussões acadêmicas sobre a data do início do swing à parte, uma coisa é certa: o swing era uma música ditada pelo maestro e pelo arranjador, e colocava os intérpretes num plano ligeiramente inferior, ao contrário do jazz de raiz, que privilegiava o intérprete, fazendo dele uma espécie de compositor alternativo através de suas paráfrases e improvisos.

Esta talvez fosse a única real diferença entre swing e jazz, mas aqui também há controvérsias.

Algumas orquestras de swing, como as de Count Basie e Woody Herman, davam liberdade para que os músicos improvisassem fora da partitura, utilizando os compassos a que tinham direito para expor a sua inventividade, ao passo que muitos bandleaders do jazz tradicional, mesmo sem utilizar partituras, ensaiavam exaustivamente algumas passagens, limitando a criação de improviso dos músicos – e a mesma coisa iria acontecer futuramente com o bebop antes dele se hardbopizar.

Nenhum comentário: