quinta-feira, 22 de outubro de 2020

 

                                  A foto do fato: Louis Armstrong faz a festa!

AS CORES DO SWING
          (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 16 - A PROIBIÇÃO
           (continuação)

Um outro assunto que entrava em discussão, pelo menos nos meios artísticos, era o destino do jazz.

Com o distanciamento do público da música tradicional vinda de Nova Orleans, e com o refinamento das orquestras e o seu crescimento em termos de quantidade, era de se prever que, durante a década, o jazz tomasse outra forma e outro caminho, o que efetivamente aconteceu.

Os músicos, que sempre fizeram parte de um mundo diferente, mantinham cordiais relações com os mafiosos, pois as atividades da Máfia eram uma notável fonte de recursos que ajudavam o show business a seguir em frente.

Os chefões de Nova York, Chicago e Los Angeles, além de serem proprietários ou sócios da maioria das casas de espetáculo, apreciavam o jazz da época e incentivavam as orquestras e os cantores a continuarem executando a sua música. Figuras proeminentes das famílias Bonanno, Colombo, Profaci, Gambino, Genovese, Lucchese, Ardizzone e Dragna aliavam um pouco deste prazer ao negócio lucrativo e ao fortíssimo contrabando de bebidas e, em alguns casos, drogas.

Muitos deles compareciam às noitadas apenas para tomar um bom vinho, fumar um charuto especialmente vindo de Cuba ou do Panamá e se distrair com a música, acompanhados por belas “pin-up girls”, candidatas a um estrelato que nunca chegava. Outros, no entanto, frequentavam as casas noturnas para verificar de perto a quantas andava o seu funcionamento e analisar o que poderia ser feito para aumentar o lucro.

De acordo com o trompetista Jimmy Mc Partland, “...freqüentemente um ou outro chefão da pesada adentrava os salões acompanhado por um séquito de seis ou sete guarda-costas e, uma vez lá dentro, mandava trancar as portas para que ninguém mais entrasse. Durante o transcorrer do espetáculo”, continua ele, “os mafiosos distribuíam notas de até cem dólares entre os músicos, cantores, dançarinos e garçons, como agradecimento pelo bom atendimento e pela música agradável”.

Por outro lado, o perigo vivia à espreita.

Não que existisse o risco de a polícia chegar a qualquer momento e levar todos os frequentadores para o distrito, como seria de se esperar. A polícia raramente aparecia onde os chefões ou seus imediatos graduados se encontravam, pois existia um acordo mudo entre a lei e os fora-da-lei, sob a cobertura de uma forte rede de corrupção.

O perigo residia num eventual encontro de membros de gangues rivais, podendo provocar terríveis tiroteios, nos quais as balas não escolhiam o endereço.

O baterista George Wettling diz ter presenciado diversas vezes alguns episódios do gênero, chegando a sentir as balas zunindo perto da sua cabeça enquanto a gritaria e o pânico tomavam conta dos presentes. Os músicos tinham ordem para seguir com a música quando qualquer confusão começasse, mas precisavam ficar com os olhos bem abertos para o movimento dos guarda-costas ou para qualquer gesto que alguém fizesse para sacar uma arma.

Certa vez, o proprietário do Triangle Bar levou um balaço no estômago apenas por estar desprevenido quando começou uma discussão mais acalorada entre membros de gangues concorrentes. “Enquanto o homem era socorrido” – diz Wettling – “a orquestra continuou o show normalmente, como se nada de extraordinário tivesse acontecido”.

No final, as coisas acabavam retornando à normalidade e ainda sobrariam alguns dólares para todos os músicos e empregados.

 

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Ao mesmo tempo em que o mundo musical modernizado mandava para o ostracismo antigos ídolos do jazz tradicional, casos de King Oliver, Jelly Roll Morton, Sidney Bechet, Joe Venuti e outros tantos, Louis Armstrong crescia no seu prestígio.

Dentro de um panorama onde o jazz de Nova Orleans era substituído pelo swing incipiente, a única coisa que poderia explicar a crescente popularidade de Armstrong tocando um estilo um pouco fora de moda era a sua inigualável qualidade como músico, seu carisma e a sua incrível performance de palco.

Vindo de atuações teatrais na época em que participava da orquestra do Vendome Theatre de Chicago em 1925, quando criou o personagem “Reverendo Satchelmouth” – de onde teria surgido o apelido de “Satchmo” – Armstrong adquiriu um forte traquejo histriônico, que colocou em prática quando assumiu de vez a sua condição de cantor e músico de jazz.

Louis Armstrong foi também o principal responsável pelo renascimento do jazz tradicional num período conhecido como classical jazz, que durou cerca de uma década, de 1935 a 1945. Bastante amadurecido e com um fraseado mais envolvente, se comparado com aquele Armstrong de 1925, Satchmo pontificou ao lado de Ellington, Hampton, Lunceford, Eldridge e Basie e manteve acesa uma chama que acabou contribuindo para que o estilo não morresse em definitivo.

Armstrong se sobrepôs ao jazz, pois manteve o público em constante delírio em plena era do swing (e iria fazê-lo novamente mais tarde, mesmo quando o bebop tomou conta do panorama musical) e per omnia tempora, até a data da sua morte. Ele era como um rolo compressor que não se preocupava com as tendências e simplesmente seguia o seu caminho, fazendo tão somente alguns pequenos acertos no fraseado e no repertório.

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