AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 16 - A PROIBIÇÃO
(continuação)
Quando a
Lei Seca foi
aplicada, a Polícia Federal atuava basicamente em duas linhas distintas, embora
conectadas: descobrir e destruir as fábricas e os depósitos de bebida
clandestinos e lutar contra as gangues do crime organizado, que como regra
geral administravam este negócio.
Com o passar do
tempo, então sob a direção de John Edgar Hoover (que apesar do nome não tinha
nenhum parentesco com o ex-presidente Herbert Hoover), o FBI mudou o seu foco e
se tornou um instrumento de perseguição política e espionagem investigativa, trabalhando
também com vigor na luta contra a violência racial (apesar de o próprio J.E.Hoover
ser considerado racista, por causa dos seus ataques contra Martin Luther King e
seus seguidores).
Durante e após a
Segunda Guerra Mundial, o FBI concentraria seus esforços numa verdadeira caça
às bruxas contra os simpatizantes do nazismo, do fascismo e principalmente do
comunismo, que havia se fortalecido e ganhado fronteiras com a vitória aliada,
por considerar que tais linhas de pensamento atentavam contra os princípios
democráticos dos americanos.
Como acontece com
toda vigilância exacerbada, esta caça às bruxas comunistas produziu uma série
de injustiças, que se perpetuaram através dos anos até atingirem seu ponto
máximo em 1950 com o senador Joseph McCarthy e a sua conhecida política do
Macartismo.
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A Proibição
alavancou a Era do Jazz, dando qualidade e força às orquestras da época e uma
maior visibilidade aos chamados ritmos de salão.
De acordo com o
pianista e compositor Hoagy Carmichael, “os
anos 1920 fizeram crescer a música
nos Estados Unidos e foram regados por muita bebida de má procedência,
adornados por jovens senhoritas de pernas nuas, regidos por uma moralidade
duvidosa e temperados por fins de semanas arrasadores”.
Para
o escritor F. Scott Fitzgerald, “as festas eram as mais empolgantes
possíveis, o ritmo de vida era mais rápido, e a moral (ou a falta
dela) corria frouxa”.
Em 1925, os speakeasies
já tomavam o lugar de muitos salões elegantes de Nova York e de Chicago. Mesmo
assim, os chefões da Máfia se encarregavam de produzir ambientes exóticos e
elegantes em lugares importantes como o Small Paradise, o The Trocadero e o
Cotton Club, onde se exibiam grandes astros e estrelas do entretenimento
musical, como o casal de irmãos bailarinos e cantores Fred e Adele Astaire, os bandleaders Duke Ellington e Cab Calloway, o
sapateador Bill “Bojangles” Robinson e a cantora Ethel Waters.
Os grandes salões
funcionavam abertamente e eram frequentados pelas pessoas de maior poder
aquisitivo, não sofrendo muita fiscalização nem pressão da polícia. Os speakeasies,
por seu lado, eram frequentados por homens e mulheres das mais diversas classes
sociais, criando uma autêntica “alcoolcracia” com duas ideias em comum – divertir-se
tomando a melhor bebida ilegal que pudessem encontrar e evitar uma visita à
delegacia mais próxima transportados num carro especial que hoje nós
chamaríamos de “camburão”.
Faziam parte do
cenário, além dos figurões dos negócios, os boêmios de toda espécie, músicos e
artistas em geral, e também uma nova geração de mulheres, chamadas de “flappers”.
As “flappers” eram mulheres que
“flanavam” como o pano das bandeiras, conforme o nome indica, isto é,
procuravam a todo custo se libertar, mas continuavam presas às convenções.
O fato é que
independentemente das flappers, as
mulheres americanas haviam conseguido o direito de voto seis meses antes da
aprovação da Emenda 18, e boa parte delas fazia questão de demonstrar a sua
igualdade com os homens, fumando em lugares públicos, bebendo uísque, vinhos e
coquetéis como gente grande, e participando ativamente da vida boêmia da
cidade.
Os pais de
família, os religiosos e os moralistas de toda ordem se escandalizavam ao
vê-las se exibindo em saias mais curtas do que deviam e usando uma maquilagem
agressiva. Alguns desses senhores (que não raro frequentavam os speakeasies às escondidas) se escandalizavam
ainda mais ao vê-las dançando o tango ou o charleston com uma atrevida
sensualidade exalando pelos poros.
Alguns
órgãos da imprensa conservadora faziam uma campanha aberta contra o jazz, como
se a música fosse responsável pela suposta quebra de decência e pela dita
imoralidade que campeava nos anos 1920.
O Ladies Home Journal, uma publicação
voltada à família e restrita ao público feminino, questionava em 1921 se o jazz “não estaria adicionando pecado
nas suas sincopatizações”. Outros jornais de cunho político
levantavam a hipótese de que o jazz “teria
encarnado um elemento bolchevique de
protesto contra a paz e a ordem”, acrescentando que ele “estava
se transformando na maldição da sociedade”.
Assim, na visão
desses maniqueístas, o jazz seria o responsável não apenas pelo comportamento
inadequado de muitas mulheres que deixavam de usar os seus corpetes apertados
para “balançar” mais à vontade, como também por uma subliminar invasão
comunista na cultura ocidental.
Mas, mesmo tendo
que encarar a discriminação contra o jazz e a repressão sobre o consumo das
bebidas alcoólicas, os proprietários dos bares jamais entregaram os pontos.
Para cada casa fechada e cada estoque de garrafas destruído, eles abriam uma
casa nova e repunham toda a bebida, fortalecidos pela cobertura e pelo dinheiro
da Máfia. Uma certa senhora chamada Mary Louise Cecilia Guinan, conhecida como
“Texas” Guinan, ex-atriz de cinema mudo e ex-cantora de cabaré, encarava com
humor o fato de os policiais do Bureau fecharem sistematicamente os speakeasies
de sua propriedade.
Cada vez que a
fiscalização lacrava e colocava um cadeado na porta de um dos seus
estabelecimentos, ela adquiria um cadeado miniatura que usava dependurado no
pescoço, como um camafeu. Tantos foram os fechamentos, que em alguns anos ela
podia exibir com orgulho um colar feito de cadeados miúdos que servia de
deboche ao poder constituído e de adorno à sua vasta e brilhante cabeleira platinum
blonde.
Até
parece que os procedimentos policiais desenvolvidos para coibir as ações fora
da lei faziam parte da diversão dos empresários e da clientela dos bares naqueles
ferozes anos 1920, pois acabava adicionando um pouco de frenesi e emoção às
loucas noitadas animadas pelo jazz de então.
A nova década raiava
cheia de expectativas, e a partir de 1930 a eficácia da Lei Seca começou a ser
discutida com mais intensidade. Em plena Recessão, o país ainda vivia um
intenso caos social e financeiro, e os administradores começaram a suspeitar
que o demônio da bebida não era tão feio quanto se pintava, e que o excesso de
proibições poderia acabar levando o país à estagnação total.
Uma das pautas de
discussão era a urgente retomada do crescimento, o que efetivamente viria a
acontecer em alguns anos. De 1930 até 1932, o presidente Herbert Clark Hoover
tomou uma série de medidas dentro da esfera econômica e financeira que
começaram a recolocar o país no seu devido lugar. Seu sucessor, Franklin Delano
Roosevelt, proporcionou uma reforma bancária de grandes proporções que, aliada
ao fim da Lei Seca, trouxe de volta os empregos e o crescimento.
É certo que em
breve os Estados Unidos embarcariam numa outra turbulência com a explosão da
guerra na Europa, mas o país já estava suficientemente maduro para não apenas
resistir e subsistir, mas principalmente para assumir o comando do mundo livre
numa batalha sem fronteiras contra o totalitarismo e a intolerância.
Os americanos
estavam se preparando para serem os líderes do mundo.
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