AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 17 - O HOMEM POR DETRÁS DO TRONO
(continuação)
Corria o
ano de
1910, e Smack tinha treze anos.
A família,
estabilizada no conforto da classe média, não se deparava com maiores problemas
financeiros e continuava apostando que, num futuro próximo, Fletcher “Smack”
Henderson seria um farmacêutico ou um químico de renome. Para tanto, ele foi
estimulado a se concentrar seriamente nos
estudos que o conduziriam em alguns anos à Universidade Estadual de Atlanta.
Os Henderson se
sentiam orgulhosos com o desempenho escolar do jovem, assim como apreciavam seu
talento como pianista de salão, quando seus dedos ágeis deslizavam por sobre o
teclado, registrando as mais belas peças da musica erudita.
Eles, no entanto, torciam
o nariz quando Smack executava aquela música moderna demais para seus ouvidos
conservadores. Certas passagens faziam lembrar o canto dos escravos que eles
tão bem conheciam, e talvez por isso aquela harmonia lhes parecesse
particularmente desagradável.
O sonho acalentado
pela família Henderson parecia estar dando certo, pois Fletcher se graduou em
1920 em química e matemática, e deu o seu primeiro passo em busca da fama como
cientista ao se mudar para Nova York no mesmo ano, a fim de realizar seus
estudos de pós-graduação.
Ele tinha vinte e
três anos, muita expectativa e confiança no futuro profissional, e uma tremenda
vontade de vencer.
Seria apenas uma
questão de tempo para que James Fletcher Hamilton Henderson Jr., fosse laureado
doutor em química, matemática e estudos farmacêuticos, e regressasse triunfante
para Atlanta a fim de utilizar seus conhecimentos científicos em benefício da sua
comunidade.
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Ao chegar em Nova
York, o provinciano Smack se deparou com os primeiros obstáculos.
Primeiro, o frio
com o qual ele não estava acostumado, tanto no que dizia respeito à temperatura
como quanto ao relacionamento entre as pessoas. Ao contrário da jovial cidade
de Atlanta, onde as pessoas se cumprimentavam e se sorriam, a iluminada, porém
carrancuda Nova York transformava os cidadãos em grandes anônimos.
É certo que Smack
foi muito bem recebido na cidade por uma amiga da família que lá residia havia
alguns anos – uma professora aposentada também vinda de Atlanta – na casa de
quem ficou hospedado por algumas semanas. Ele, no entanto, possuía um espírito
bastante independente e se sentiu um bocado desconfortável tendo a sua
liberdade tolhida. Logo que foi possível, Smack decidiu fazer as malas e morar
numa pensão até que as coisas começassem a clarear.
A pensão ficava na
animada Rua 12, próxima a bares, lojas e livrarias, e possuía um conveniente
piano instalado no salão principal, no qual ele exercitava seus dedos e sua
imaginação, chamando a atenção dos outros hóspedes, na sua maioria caixeiros-viajantes
de passagem pela cidade, pela forma sincopada com que executava a música negra
do momento.
Com o passar do
tempo, Henderson começou a perceber que teria dificuldades em ingressar no tal
curso de pós-graduação para dar prosseguimento à sua vida acadêmica, pois
aparentemente não existiam vagas nas poucas escolas disponíveis na cidade.
Nas cartas que
escrevia para os pais, Fletcher demonstrava claramente esta preocupação, e um
tom de nostalgia e saudade fluía das suas palavras chorosas. A família, os
amigos, a vida sossegada e sem atropelos e principalmente a sinceridade das
pessoas haviam ficado para trás, em Atlanta. Nova York era uma metrópole imensa
e sem alma, onde as pessoas se desconheciam e competiam entre si, não se
importando em passar por cima uns dos outros para obter sucesso ou vantagens.
Não demorou muito para
que Fletcher Henderson entendesse que a sua dificuldade em encontrar uma escola
não tinha muito a ver com falta de vagas, mas tudo a ver com a sua cor, o que
piorou seu estado de espírito.
Apesar de possuir
alguns traços caucasianos, por ser fruto de uma miscigenação qualquer havida no
passado, Fletcher não deixava de ser um afrodescendente, e isto estava sendo um
obstáculo para suas pretensões acadêmicas.
No entanto, ele
tinha necessidade de sobreviver por si próprio, pois não queria passar o resto
da vida dependendo da mesada que o pai lhe mandava para a sua manutenção. Além
do mais, revoltado com a situação, decidiu lutar para provar a si mesmo que
venceria mais esta batalha contra a cidade. Fletcher Henderson não se renderia
às atitudes racistas de Nova York.
Para tanto,
confiando nos seus dotes de pianista, ele começou a trabalhar como divulgador
musical para a Companhia de Música Pace-Handy, uma editora de propriedade do
músico W.C.Handy e do empreendedor Harry Pace, fazendo demonstração pianística
e ajudando a vender partituras.
Tudo começou
quando Fletcher procurou Harry Pace, certo de que ele faria tudo para ajudá-lo,
pois se tratava de um velho conhecido da família e, tal como Henderson, havia
estudado na Universidade de Atlanta. Pace, que se formara em Direito, havia se
associado ao músico Handy quando este estava à procura de um parceiro para
fundar a editora.
Ao receber
Fletcher Henderson, Pace começou a dar tratos à bola a fim de decidir qual
serviço arranjar para ele, mas quando o jovem mostrou tamanha intimidade com o
piano e com a música, Pace não teve dúvidas em contratá-lo para trabalhar como
músico da própria editora.
Assim,
quanto mais Fletcher Henderson se afastava da química e da matemática, mais ele
se aprofundava na música e no piano. Harry Pace, conhecedor do mercado, ficou
maravilhado em ver nele um músico negro que dominava com perfeição tanto as
peças eruditas sugeridas pelos clientes quanto o jazz dos anos 1920 que estava
em voga na cidade, e em pouco tempo o convidou para ocupar a posição de gerente
musical da sua recém-criada gravadora Black Swan Record Company.
Para Henderson,
Nova York já não parecia tão fria, pois a música lhe aquecia as veias, mas isto
trouxe alguma decepção para papai e mamãe Henderson, que recebiam estas
notícias na distante Atlanta sem muito entusiasmo.
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