COMO NASCEM AS CANÇÕES
(Augusto Pellegrini)
(Parte 3)
A bossa-nova,
oficialmente lançada em 1958, congregou diversos compositores e intérpretes da
Zona Sul carioca e criou bordões que exaltavam a beleza e o romantismo
personificados como o sol, o mar e o azul do céu de Copacabana.
A bossa nova
nasceu da necessidade de afastar o mau humor causado pelo samba-canção com suas
letras sofridas que falavam de desamor, desilusão, traição e desencanto – que
os progressistas chamavam de “fossa”.
Músicas como “Vingança”,
de autoria de Lupicínio Rodrigues, numa gravação de Linda Batista de 1951 (“Eu gostei tanto, tanto quando me contaram /
Que te encontraram chorando e bebendo / Na mesa de um bar / E que quando os
amigos do peito por mim perguntaram / Um soluço cortou sua voz, não lhe deixou
falar... / ... Mas enquanto houver força em meu peito eu não quero mais nada /
Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar / Você há de rolar como as
pedras que rolam na estrada / Sem ter nunca um cantinho de seu pra poder
descansar”), ou “Ninguém Me Ama”, de Antônio Maria, gravado por Nora Ney em
1952 (“Ninguém me ama, ninguém me quer /
Ninguém me chama de meu amor / A vida passa, e eu sem ninguém / E quem me
abraça não me quer bem / Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso / E
hoje, descrente de tudo, me resta o cansaço / Cansaço da vida, cansaço de mim /
Velhice chegando e eu chegando ao fim”), ou ainda “Bar Da Noite”, de
Haroldo Barbosa, gravado pela mesma Nora Ney em 1957 (”Garçom, apague essa luz que eu quero ficar sozinha / Garçom, me deixe
comigo, que a mágoa que eu tenho é minha / Quantos estão pelas mesas bebendo
tristezas / Querendo ocultar / O que se afoga no copo renasce na alma /
Desponta no olhar / Garçom, se o telefone bater, e se for pra mim / Garçom,
repita pra ele que eu sou mais feliz assim / Você sabe bem que é mentira,
mentira noturna de bar / Bar, tristonho sindicato dos sócios da mesma dor /
Bar, que é um refúgio barato / Dos fracassados do amor”).
Os que
procuravam por uma saída menos trágica tiveram um alento quando surgiram as
figuras mais amenas de Dick Farney, Lucio Alves, Johnny Alf e Sylvia Telles,
mas eles procuravam mais do uma letra que se parecesse com a ensolarada
realidade da Zona Sul. Eles também queriam uma harmonia que aproximasse a
música brasileira da sonoridade de Barney Kessell, Jim Hall, Dave Brubeck, Chet
Baker ou Bill Evans.
A questão começou
a ser solucionada com um ex-pianista de boate chamado Antônio Carlos Jobim,
conhecido como Tom, que a partir do início da década de 1950 já vinha prestando
bons serviços à música brasileira compondo, fazendo arranjos e dirigindo
gravações, e através de Johnny Alf, um cantor-pianista que propôs ao público uma
harmonia diferente, utilizando-se de uma forma arrojada de interpretação.
E a cidade
contribuiu com as suas belas praias, com a paisagem paradisíaca e com o Beco
das Garrafas, como eram chamadas as boates Bottles’ Bar e Little Club, enfiadas
na Rua Duvivier, no coração de Copacabana, palco das futuras apresentações de
samba-jazz – Sergio Mendes, Os Cariocas, Durval Ferreira, Leny Andrade, Luiz
Carlos Vinhas, e tantos outros.
Mas o Dia D da
revolução tão esperada aconteceu com o aparecimento de um cantor-violonista
chamado João Gilberto, que deu novos rumos à música brasileira em termos de tempo,
contratempo e acordes inusitados e jamais pensados (só o aparecimento de João
Gilberto na música brasileira mereceria pelo menos um capítulo inteiro, ou quem
sabe um livro completo!).
A partir de
João Gilberto apareceram outros nomes de cantores e compositores, as gravações
do novo estilo passaram a ser lançadas pelas gravadoras e a nova tendência do
mar-amor-luar começou a tomar conta do Rio e se espalhar pelo eixo musical Rio-São
Paulo – embora João, antigo crooner de conjunto vocal executasse boa parte do
seu trabalho explorando compositores e sambistas antigos e dando a eles a sua
roupagem toda particular.
Já no seu
primeiro LP – “Chega De Saudade”, lançado em 1959 – João mesclou composições de
Jobim, Vinícius, Lyra e Bôscoli com músicas mais antigas de Caymmi, Marino
Pinto, Zé da Zilda e Ary Barroso.
Da safra nova
que começou a conquistar o mercado, a dupla Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli
era uma das mais profícuas, com músicas de intensa poesia, como “Rio” (“Rio, que mora no mar / Sorrio pro meu Rio
que tem no seu mar / Lindas flores que nascem morenas / Em jardins de sol /
Rio, serras de veludo / Sorrio pro meu Rio que sorri de tudo / Que é dourado
quase todo dia / E alegre como a luz”), “O Barquinho” (“Dia de luz, festa de sol / E um barquinho a
deslizar / No macio azul do mar / Tudo é verão e o amor se faz / Num barquinho
pelo mar / Que desliza sem parar / Sem intenção, nossa canção / Vai saindo
desse mar / E o sol beija o barco e luz / Dias tão azuis”) e “Você” (“Você, manhã de tudo meu / Você, que cedo
entardeceu / Você, de quem a vida eu sou / E sei mas eu serei / Você, um beijo
bom de sol / Você, em cada tarde vã / Virá sorrindo de manhã ...”).
Alguns
bossanovistas bissextos como os irmãos Marcos e Paulo Sergio Valle também compuseram
músicas cheias de poesia que a moçada cantava na praia e nos apartamentos de
Ipanema, como “Samba De Verão” (“Você viu
só que amor? / Nunca vi coisa assim / E passou, nem parou / Mas olhou só pra
mim / Se voltar vou atrás / Vou seguir, vou falar / Vou dizer que o amor / Foi
feitinho pra dar / Olha, é como o verão / Quente o coração / Salta de repente /
Para ver a menina que vem...”), e Sergio Ricardo, que mais tarde também engrossaria
a turma do protesto, trazendo um viés noturno e soturno para a bossa nova,
mesmo falando de mar e amar, como em “Poema Azul” (“O mar beijando a areia / O céu, a lua cheia / Que cai no mar / Que
abraça a areia / Que mostra ao céu e à lua cheia / Que prateia os cabelos do
meu bem...”).
O ápice do
romantismo bossanovista veio com “Garota De Ipanema”, de Antônio Carlos Jobim, então
já um músico consolidado, e Vinicius de Moraes, um diplomata em desencanto (“Olha que coisa mais linda, mais cheia de
graça / É ela, menina, que vem e que passa / Num doce balanço, a caminho do mar
/ Moça do corpo dourado do sol de Ipanema / O seu balançado parece um poema
/ É a coisa mais linda que eu já vi passar”)
e com “Corcovado”, de Tom (“Um cantinho, um violão, esse amor, uma canção pra
fazer feliz a quem se ama...), que impropriamente deu início ao jargão “um
banquinho e um violão”, que fazia alusão às reuniões aos encontros dos músicos
do novo sistema nos apartamentos da Zona Sul.
SEGUE
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