COISAS
(1988)
(Augusto Pellegrini)
OBSERVAÇÕES
DE UMA ONDA DE PENSAMENTO
Passava de meia-noite. Os pneus chiavam deslizando pela rua molhada pela chuva e o limpador de para-brisa dizia não com um gemido compassado de tristeza e de agonia.
Ela, encolhida no banco dianteiro e encostada na porta, olhava para ele ao volante, num constante claro-escuro, manchas no rosto e nas mãos, sombras e luzes de postes e letreiros piscando seus anúncios.
Eu, escondido no banco de trás, estou imóvel como os seus olhos. Ser profeta não basta, é preciso ser sombra.
De repente, uma freada brusca e um baque surdo. Os corpos são jogados para frente e se sentem doer, numa crise de abandono.
Saio então pela janela fechada e vejo os vultos por detrás dos vidros do carro e a dança das gotas da chuva que vão se perdendo no tempo, tudo de repente imóvel como uma fotografia.
Pouco mais de meia-noite.
Acho que vou voltar para
dentro do meu cérebro.
(Problemas de um casal em crise de volta para
casa numa noite de chuva)
Nenhum comentário:
Postar um comentário