segunda-feira, 9 de agosto de 2021

 


RETALHOS E REBOTALHOS

(Augusto Pellegrini)

 

Chove granizo na minha sala de visitas.

Janela aberta, verão a pleno, tapete de juta. As pedrinhas saltam como pulgas de cristal e se desfazem magicamente, deixando sua marca molhada sobre as tranças do tapete.

Não é noite ainda, embora ela se aproxime lenta e silenciosamente como uma lagartixa.

O tilintar da chuva sobre o telhado e sobre o vidro superior da janela e sobre as coisas todas – plantas, banco de madeira e lata de lixo – parece uma sinfonia. Tento captar algum som que me lembre o jazz e o máximo que consigo é ouvir o rufar maluco de Buddy Rich nos pratos e no chimbal.

E eu tentando dormitar nesta cama que sequer é cama, uma dessas poltronas monta-desmonta comprada à prestação em alguma loja do ramo, como dizem a propaganda e os entendidos.

Sinto uma mão invisível se aproximar do meu pescoço tão devagar como se fosse regulada por um parafuso milimétrico, demorada, mas inexorável, sabendo estarem meus olhos semicerrados e minhas mãos, braços e pernas atados aos lençóis pelas cordas do sono.

Alguém já sentiu isso? Essa horrível letargia, a gente parece que está acordado, mas está semi-dormindo, a gente tem vontade de gritar e se levantar, mas “a coisa” não deixa.

Esta mão me aterroriza, não por causa da sua cor verde-clorofila, nem pelas escamas furta-cor, mas pelo anel de um pálido redondo que eu sei tratar-se de um botão a ser acionado fazendo esta coisa medonha saltar como uma rã e transformar minha garganta em fios dilacerados.

Não é nada agradável este calor e este frio, este sono agitado nem esta mão sem corpo.

Então acordo como se estivesse saindo de um vórtice, a chuva ainda caindo, Buddy Rich em êxtase e os dedos verdes se desfazendo no ar, a garganta felizmente em ordem.

Senão, como eu faria pra soprar meu saxofone nesta noite-madrugada?    

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