RETALHOS E REBOTALHOS
(Augusto Pellegrini)
Chove granizo na minha sala de visitas.
Janela aberta, verão a pleno, tapete de
juta. As pedrinhas saltam como pulgas de cristal e se desfazem magicamente,
deixando sua marca molhada sobre as tranças do tapete.
Não é noite ainda, embora ela se
aproxime lenta e silenciosamente como uma lagartixa.
O tilintar da chuva sobre o telhado e
sobre o vidro superior da janela e sobre as coisas todas – plantas, banco de
madeira e lata de lixo – parece uma sinfonia. Tento captar algum som que me
lembre o jazz e o máximo que consigo é ouvir o rufar maluco de Buddy Rich nos
pratos e no chimbal.
E eu tentando dormitar nesta cama que
sequer é cama, uma dessas poltronas monta-desmonta comprada à prestação em
alguma loja do ramo, como dizem a propaganda e os entendidos.
Sinto uma mão invisível se aproximar do
meu pescoço tão devagar como se fosse regulada por um parafuso milimétrico,
demorada, mas inexorável, sabendo estarem meus olhos semicerrados e minhas
mãos, braços e pernas atados aos lençóis pelas cordas do sono.
Alguém já sentiu isso? Essa horrível
letargia, a gente parece que está acordado, mas está semi-dormindo, a gente tem
vontade de gritar e se levantar, mas “a coisa” não deixa.
Esta mão me aterroriza, não por causa da
sua cor verde-clorofila, nem pelas escamas furta-cor, mas pelo anel de um
pálido redondo que eu sei tratar-se de um botão a ser acionado fazendo esta
coisa medonha saltar como uma rã e transformar minha garganta em fios
dilacerados.
Não é nada agradável este calor e este
frio, este sono agitado nem esta mão sem corpo.
Então acordo como se estivesse saindo de
um vórtice, a chuva ainda caindo, Buddy Rich em êxtase e os dedos verdes se
desfazendo no ar, a garganta felizmente em ordem.
Senão, como eu faria pra soprar meu saxofone
nesta noite-madrugada?
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