sexta-feira, 10 de setembro de 2021

 


EU E A MÚSICA

A SÃO PAULO DE ADONIRAN BARBOSA

Parte 1

Minha São Paulo
Foi da garoa, tempo frio que já mudou
Cantada pelo filho do italiano
Está mais quente a cada ano
É o samba urbano que chegou
Bexiga, Barra Funda, Lapa e Mooca
E a maloca que, saudosa
Hoje não existe mais
Porém a caravana colorida
Evolui na avenida
Evocando os bons tempos do Brás

Com empolgação
Meu São Paulo é um poema
De Malvina, Adoniran
Mato Grosso e Iracema

Trem das onze
As mariposas vão sambando na estação
Lembrando da moçada o sacrifício
A derrubada do edifício
O antigo Albion
Acende o candeeiro de mansinho
Traz de volta o cavaquinho
Pra encantar meu bem querer
Cidade de trabalho e de progresso
Seu poeta e seu sucesso
Nós vamos cantar outra vez

(“A São Paulo De Adoniran Barbosade Augusto Pellegrini)

Esta é a letra de um samba que eu fiz em homenagem a Adoniran Barbosa no ano de 1975 para concorrer à escolha do samba-enredo para o carnaval de 1976 pela G.R.E.S. Escola de Samba Pérola Negra, Vila Madalena, São Paulo, cujo tema era exatamente “A São Paulo de Adoniran Barbosa”. A música concorreu, não ganhou, mas eu me senti premiado por ter convivido com o poeta, ainda que por breves instantes, pois isso enriqueceu a minha alma.
Gostaria de ter absorvido mais um pouco da sensibilidade de Adoniran, mas o nosso tempo foi muito curto. Enfim, como ele mesmo dizia – “mas isso num faz mal, num tem ‘portança’...”

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Desde muito jovem a música sempre me encantou.
Talvez por isso eu gostasse de exercitar o meu lado compositor, na maioria das vezes fazendo sozinho a letra e a melodia da música, mesmo não conhecendo coisa alguma sobre teoria musical nem tendo a prática de tocar qualquer instrumento.
A música era produzida dentro da minha cabeça e, na ausência de um gravador, eu tinha que a cantarolar dezenas de vezes para não esquecer a linha melódica. Enquanto isso, o arranjo e a orquestração – violão, violinos, metais, piano, percussão – iam tomando sua forma definitiva, mas sempre dentro da minha cabeça (os compositores leigos, como eu, sabem do que eu estou falando).
Isto causava sérios problemas quando eu queria cantar as minhas composições acompanhado por algum instrumentista, pois evidentemente a harmonia que ele extraía do instrumento podia ser bem diferente daquela que eu havia concebido.
Quando comecei as minhas tentativas musicais, fui influenciado pela música brasileira da época – coisas de Dolores Duran, Tito Madi, Antônio Maria, Alberto Ribeiro, Fernando Cesar, Klécius Caldas, Armando Cavalcante, Henrique Lobo e Luiz Bittencourt, todos autores de sambas-canções que tinham como intérpretes cantores como a mesma Dolores, o próprio Tito Madi, e também Nora Ney, Agostinho dos Santos, Dóris Monteiro, Lucio Alves, Cauby Peixoto, Dick Farney e alguns outros tantos.
Mesmo assim, a minha música não possuía as características específicas do samba-canção e não obedecia à configuração tradicional dos seus versos, uma sequência simples de primeira estrofe-segunda estrofe, pois o samba-canção convencional quase não utiliza refrãos.
Além do mais, eu “quebrava” a melodia às vezes de forma inusitada, coisa típica – de acordo com a opinião de músicos e especialistas – de quem não é engessado pela teoria e sente mais liberdade para simplesmente expor seus sentimentos.
Então chegou a bossa nova, e eu incorporei o estilo às minhas composições, sem abandonar o jeito da canção e do samba-canção. E continuei distante daquilo que João Gilberto chamava de “samba autêntico” – tipo Ary Barroso, Assis Valente, Ataulfo Alves, Denis Brean – como também do samba-canção tipo deprê, conhecido por “dor-de-cotovelo” – músicas de Lupicínio Rodrigues, Fernando Lobo, Herivelto Martins, Jair Amorim – que abordava o romantismo de forma dramática, como o tango, e dos quais eu até gostava, mas não me identificava a ponto de compor coisas do gênero.
A bossa nova me mostrou que a gente podia fazer poesia com as coisas mais simples do dia-a-dia e da natureza, sem necessidade de utilizar parnasianismos ou erudição nas palavras.

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