sexta-feira, 24 de setembro de 2021

 


EU E A MÚSICA

UMA ORQUESTRA DANÇANTE

(Swing pra que te quero)

Parte 1

O dia era 19 de outubro de 1978.
Eu estava em Belo Horizonte na companhia de um engenheiro americano de nome Robert Mount, ambos a serviço de uma empresa multinacional para a qual trabalhávamos na época. Eu de São Paulo, ele do Texas, duas almas perdidas na capital mineira.
O dia havia sido quente, abafado e cansativo. Após ficarmos o tempo todo expostos à poluição do Distrito Industrial, finalmente voltamos para a cidade no fim da tarde, chacoalhando na Rural Ford que nos servia de transporte.
O sol se punha no belo horizonte das alterosas, recortando a cadeia de montanhas da Serra do Curral em contraponto com um céu de um fundo alaranjado brilhante, e as primeiras luzes da noite começavam a se fazer presentes, piscando aqui e acolá como uma árvore de Natal se espalhando pelas calçadas, enquanto a caminhonete finalmente alcançava as artérias principais, a esta altura intensamente movimentadas, até nos desembarcar como um par de malas em frente ao tradicional Hotel Del Rey.
Uma hora mais tarde, após um breve e refrescante repouso, nos encontramos no bar do hotel para enfim tomar a nossa merecida cerveja bem gelada e fazer os planos para um jantar à mineira, muito embora os pedaços de queijo também mineiro e a delícia do torresminho frito que vieram como acompanhamento já honrassem devidamente a culinária local.
Sobre a mesa asséptica com tampo de fórmica escura, ao lado de um cardápio plastificado e dos costumeiros porta-guardanapo, cinzeiro e galheteiro encontrava-se um pequeno folheto informativo anunciando para “19 de outubro, às nove da noite, o show do ano”’, o que se afigurava simplesmente imperdível, pois se tratava da orquestra de Harry James se apresentando no Palácio das Artes!
Dia 19 de outubro... é hoje!!!
Seduzidos pela oportunidade de assistirmos a um espetáculo memorável, deixamos prontamente de lado a ideia do jantar à mineira para nos engajar numa típica noitada norte-americana.
Bob já havia assistido a uma ou duas apresentações da orquestra de Harry James nos Estados Unidos – ele não sabia precisar exatamente onde, mas acreditava ter sido em Nova York, ou em Pittsburgh, cidade sede da empresa onde trabalhávamos, ou ainda em Houston, onde ele morava – mas para mim, que conhecia James apenas por um par de filmes de Hollywood e por alguns discos, seria uma oportunidade fantástica. 
O Palácio das Artes ficava a uma distância não muito grande do hotel, mas por via das dúvidas e pelo adiantado da hora resolvemos apanhar um taxi, o que acabou sendo providencial porque de repente caiu uma chuva fina inesperada que serviu para amenizar a temperatura da noite, mas que bem poderia ter esfriado o nosso ânimo.
À porta do teatro se formava uma fila caudalosa, o que atestava o interesse do público e atrasaria o início do show, mas auspiciava o sucesso do espetáculo. Afinal, a atração seria ninguém menos do que Harry James, um dos pioneiros das grandes orquestras dos anos 1930, época em que surgiu como um dos mais promissores solistas de trompete para se transformar a partir dos anos 1940 em um sucesso mundial, quando liderou uma orquestra que variava entre o swing tradicional e a mais pura e romântica música dançante.
Harry James era possuidor de um sopro peculiar, forte, limpo, macio e tecnicamente perfeito. Dono de um timbre inconfundível e de um “drive hipnótico, ele aliava muito lirismo a um balanço formidável que convidava à dança.
Já veterano, James trazia consigo para a temporada brasileira alguns músicos bastante rodados – caso do trompetista Nick Buono, remanescente do seu antigo grupo, do baterista Sonny Payne, que durante muitos anos havia feito parte da orquestra de Count Basie, e do trombonista Art Dragon, que tocava regularmente tanto na sua orquestra como na Disneyland Band. A orquestra também mesclava outros músicos bem mais jovens, como a louríssima e bela saxofonista-barítono Beverly Dahlke-Smith (única mulher do grupo), o baixista Ira Westley com sua cabeleira fashion anos setenta, o sax-tenorista Fred Waters e um vocalista quase desconhecido chamado Francis Dennis.
Harry James, uma lenda na história da música instrumental, reeditou o brilho da época de ouro do swing e fez uma apresentação de gala, com muito fôlego e muita elegância, sempre imprimindo uma liderança segura sobre o grupo.
As músicas se sucediam dentro de um repertório irrepreensível – “Two O’Clock Jump” (Harry James, Benny Goodman e Count Basie), “Cherokee” (Ray Noble), “Don’t Be That Way” (Benny Goodman, Edward Sampson e Mitchell Parish), “Opus Number One” (Sy Oliver e Sid Garris), “You’ll Never Know” (Mack Gordon e Harry Warren), “Sweet Georgia Brown” (Ben Bernie, Maceo Pinkard e Kenneth Casey), “You Go To My Head” (J.Fred Coots-Haven Gillespie), “Serenade In Blue” (Mack Gordon-Harry Warren) – tendo como base uma pegada orquestral majestosa que servia de suporte para o trompete aveludado de James.

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