PÁGINAS ESCOLHIDAS
COISAS
(1988)
(Augusto Pellegrini)
TRILOGIA
– FLORES E VELAS
Não foi
possível fazer nada, o barco soçobrou na placidez do lago.
Não foi possível fazer nada, você me olha como se entendesse, mas será que me
entende?
Não foi possível fazer nada, e eu aqui no meio dessa gente estranha que me questiona
silenciosamente com olhares duros desde que eu me aproximei da sereia fria e
imóvel e daquelas mãos que agora repousam em forma de prece, prece que ela
nunca rezou.
Não foi possível fazer nada, e estas velas seguem queimando o meu espírito,
deixando uma fumaça mal-cheirosa em contraponto com o perfume das flores.
Não foi possível fazer nada, e agora mãos mais insensíveis do que as mãos que repousam
cruzadas pegam o caixão pelas alças e começam a carregá-lo numa procissão sem cânticos.
Não foi possível fazer nada, e agora o ataúde dança sinistramente a cada passo
dado pelos carregadores, impassíveis como o ambiente.
Não foi possível fazer nada, e o local vai se tornando deserto com a saída do
séquito, todos a desfilar um estranho desfile.
Antes o lago, a sereia, o sol de fim de tarde.
Agora grades, ciprestes e túmulos.
(O fim do romance
com a sereia misteriosa)
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