PÁGINAS ESCOLHIDAS
O
FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)
A LUXÚRIA
De repente, o
escândalo, em plena casa funerária onde se velava o morto.
Elvira, trinta e dois anos, um metro e setenta e cinco, ruiva, ancas largas,
olhar de quem devora rapazinhos, ex-rainha dos funcionários do banco, dois
filhos inquietos como dois sanhaços.
Encarnação, vinte e quatro, cabelo preto e liso preso por uma fivela de
plástico, ex-filha de Maria da Congregação de Santa Eulália, expressão com um
quê de severa e outro tanto de pureza, dois filhos irrequietos como dois
pintassilgos.
Doralice, vinte e oito, a Dora morena cor-de-índia com os mesmos atributos de
Iracema, olhar matreiro mas ingênuo, o vestido justo amarelo demais para a ocasião
fúnebre, apenas um filho, mas assanhado como um periquito em dia de festa.
Gracinha, só dezenove, estudante de sociologia, que veio direto da faculdade,
os livros ainda debaixo do braço, os olhos vermelhos, a expressão de criança,
ainda sem acreditar no que via e ouvia.
Todas elas lá estavam para prantear o marido, amante, companheiro e namorado
Josué, enquanto a verdadeira esposa se quedava num canto, boquiaberta, a boca
seca, os olhos arregalados.
Parada na soleira da porta, a magra Angélica e seus dois pirralhos hesitavam
entre entrar ou não entrar para declarar a todos que o morto lhe havia jurado fidelidade
eterna – “eterna” – uma palavra bem apropriada para a ocasião.
Deitado de costas, finalmente sossegado, Josué a tudo assistia impassível como
um morto. Há quem jure ter percebido, no rosto imóvel outrora brejeiro, um sorriso
de satisfação.
(Anotações
sobre o último adeus da família a Josué, o sátiro da cidade)
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