PÁGINAS ESCOLHIDAS
O
FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)
A GULA
O escritor François Rabelais se frustrou ao tentar
fazer um obra que ele próprio define como “uma alta realização do espírito
humano” – O Gigante Gargântua – nos idos de 1532. O herói, filho de
Grandgousier e da linda Gargamelle, era uma espécie de Frankenstein inocente – de
acordo com os críticos da obra, “rare et subtil, charmant, jovial et gentil” – mas em
momento algum tem qualquer resquício de exaltação à raça humana.
O personagem não chegou a superar o criador, pois não é fácil se sobrepor à
genialidade de Rabelais, mas acabou transformando uma tentativa filosófica de
relatar as fraquezas da gula num encômio à própria gula, não só pela quantidade
e diversificação dos gêneros engolidos durante as quase duzentas páginas do
livro como também pela tonelagem de vinhos e aguardentes ingeridos – “é a vós,
ilustres beberrões, que são dedicados os meus escritos e a mais ninguém!”.
É a esta gula, sentimento nobre que impulsiona o mundo, que dedico este prólogo,
reforçado por um veemente protesto contra as clínicas de emagrecimento, contra
esses torturadores medievais que se autoproclamam médicos dietéticos e contra
todos os malhadores de academia.
As mulheres retratadas em tela pelos pintores renascentistas, com suas
maravilhosas adiposidades, não me deixam mentir.
(Prólogo de
um trabalho experimental sobre a gula e seus preconceitos)
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