O FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)
CLICHÊS – O TÁXI E A CHUVA
Chove a
cântaros sobre a cidade.
Na avenida principal, alguns motoristas passam com o carro em plena velocidade
lançando baldes de água do leito carroçável para as pernas dos desditosos
transeuntes. Os taxis, na sua maioria já passam lotados, e mal dá para notar a
silhueta do passageiro através do vidro opaco.
Epa! Lá vem um taxi vazio, se aproximando lentamente.
A senhora cheia de pacotes e um pequeno guarda-chuva acena frenética, se
julgando a primeira de uma fila que não existe.
A garota de óculos, cheia de livros e sem guarda-chuva também acena, a blusa
branca colada no corpo, fazendo com que o motorista reduza ainda mais a
velocidade e passe a mão no vidro para melhorar o visual.
O senhor de idade e meia carregando uma pasta zero-zero-sete preta também
acena, a gravata em desalinho.
Também acenam o office-boy com uma pasta de plástico com elástico cheia de
contas para pagar, o cidadão tamanho família trajando uma providencial jaqueta
de couro e um infeliz com cara de infeliz vestindo calça branca salpicada de
água suja.
O taxi para.
Todos partem para a porta que se abre, a senhora deixando cair um pacote, a
garota arrebentando um botão da blusa, o senhor de idade e meia fazendo um
derradeiro exercício de força, o office-boy se insinuando como uma cobra, o grandalhão
acotovelando tudo e todos e amassando o infeliz com cara de infeliz junto à
coluna da porta.
Surpreendentemente, quem se afunda no assento é o senhor de idade e meia, que
fecha a porta com energia e quase esmaga o dedo do grandalhão, que profere um
sonoro palavrão.
A senhora dos pacotes corre atrás daquele que a correnteza vai levando, a
mocinha fica indignada com o palavrão e com o botão, o da jaqueta de couro dá
um derradeiro coice no táxi que parte acelerado jogando mais água pra cima dele
e o office-boy sai andando resignado, pois afinal, vida de office-boy é assim mesmo.
A chuva começa a cair mais forte, como se tivesse furado o toldo do céu.
‘É duro ser motorista”, diz ele para si mesmo e para o senhor de idade e meia.
O senhor de idade e meia suspira.
(Cidade grande:
A aventura de tomar posse de um táxi num dia de tempestade)
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