domingo, 23 de janeiro de 2022

 


    PÁGINAS ESCOLHIDAS

O FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)

CLICHÊS – O FILME

Então, vamos ao cinema.
Ainda sem decidir se vamos rir com Woody Allen, chorar com Kramer vs. Kramer, liberar nossa adrenalina com Stallone ou nos apaixonar por Isabelle Adjani, lavamos a cara depois de a barba feita, colocamos uma camisa decente após o banho tomado, entramos no carro e partimos para a nossa grande aventura.
O primeiro problema é o estacionamento. Num raio de quinhentos metros não há espaço nem para uma bicicleta, o jeito é parar lá longe, próximo daquele outro cinema que exibe um filme que não queremos ver e caminhar a pé, preocupado com o segundo problema.
O segundo problema é a segurança,  a nossa e a do carro. Erguemos uma prece ao Altíssimo enquanto fazemos a nossa caminhada solitária até que nos deparamos com  o terceiro problema.
Há uma fila enorme para comprar o ingresso, que rodopia cheia de pernas como uma centopeia centométrica. Depois do ingresso comprado vamos para outra fila, que aguarda o fim da sessão ziguezagueando no saguão e olhando para os cartazes expostos que anunciam os futuros sucessos de bilheteria.
A sessão finalmente termina e começa o quarto problema, a busca do lugar ideal, que é contornado após três sucessivas mudanças provocadas por chatos que falam durante a projeção, por gente que como eu muda constantemente de assento e por aquele gigante que vem ocupar a poltrona bem na frente da minha, atrapalhando visão que tenho de Elisabeth Taylor e seus chiliques.
Terminado o filme, o quinto problema – a volta para o carro estacionado, criando uma tensão digna de um filme de Spielberg, felizmente sem os vilões correspondentes (o carro está ainda lá, com sua portas, motor e pneus e tanque cheio).
Chegando em casa – é cedo ainda – ligo a televisão para descobrir que daqui a pouco será exibida a versão original, sem cortes e com legenda, de um grande sucesso de bilheteria dos anos setenta. E descubro que o grande sucesso não é outro senão aquele que acabamos de assistir na nossa aventura noturna com direito a Elisabeth Taylor e seus chiliques.

(Uma rápida digressão à tecnologia e seus efeitos no bem-estar das pessoas) 

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