sábado, 26 de novembro de 2022

 


PÁGINAS ESCOLHIDAS

Extraído de um livro de contos que ainda não foi publicado
(Augusto Pellegrini)

O VASO ROXO

A aparência de Leocádia piorara sensivelmente desde quando eu a tinha visto na última vez.
Estava lívida e envelhecida, com a expressão sombria, e o seu semblante mostrava algo além da sua proverbial antipatia, revelando um profundo pesar e cansaço e talvez uma dispepsia crônica.
Parecia uma mulher atormentada.
Logo que cheguei, ela me ofereceu um cálice de licor de ameixa. O licor me soube um pouco amargo, talvez porque tenha sido feito sem retirar o caroço ou porque estivesse envelhecido demais.
Enquanto eu sorvia o licor a pequenos tragos, ela falou com a voz destituída de emoção que seu falecido marido – meu amigo – se recriminava por não ter ido ao meu casamento e muito mais por não ter entregado o presente que havia comprado com tanto carinho.
A caminho do hospital para onde foi levado às pressas com o coração arrebentado, ele se mostrara mais preocupado com o meu presente do que com o seu futuro, e ela sentia agora que o tal presente tinha que ser entregue como uma obrigação póstuma.
Isto posto, Leocádia levantou-se e caminhou em direção ao quarto, tendo que driblar uma banqueta, um jarro enorme cheio de flores artificiais e uma vassoura de pelo, descuidadamente abandonada na soleira da porta que abria o caminho para o corredor.
Passados alguns minutos de silêncio ela reapareceu com um pacote embalado em um papel de presente bastante amarelado pelo tempo.
Recebi o pacote, dei o gole final no licor, agradeci pela atenção e me despedi, tendo o cuidado de desviar de alguns entraves que atrapalhavam o caminho para não esfolar a canela.
O que quer que estivesse dentro da caixa era razoavelmente pesado, muito embora o pacote não fosse muito grande.
Fui para casa com a impressão de estar transportando uma urna funerária ou um daqueles objetos cabalísticos que parentes e seguidores depositam nos recônditos dos jazigos como homenagem aos seus eternos ocupantes.
Ao chegar em casa, depois do beijo tradicional de boa noite, comentei com a minha mulher a minha aventura do fim do dia, e resolvemos abrir o pacote mesmo antes de jantar.
Tratava-se de um imponente vaso de cristal lapidado, de um roxo imponente que chegava a brilhar quando refletia a luz. O vaso foi colocado na mesinha de centro da sala, ao lado de um cinzeiro de cristal de Murano e de um pequeno enfeite de mesa em forma de elefante, também de cristal, que teve a tromba quebrada e agora se assemelhava a um porco.

 

 

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