terça-feira, 8 de agosto de 2017





DO OUTRO LADO DO ESPELHO
Parte Dois

Sinto-me ansioso como se estivesse no corredor da morte, mas ao mesmo tempo resignado com qualquer que seja o meu destino. Não sei se o que me aguarda por detrás daquela porta fechada é castigo ou misericórdia, pena ou alívio, agonia ou perdão.
O branco de um vaso sanitário se destaca no canto da cela, limpo e imaculado, pois minhas funções estão paralisadas desde o dia em que fui jogado nesta célula escura e sem ar.
A porta metálica não tem um trinco aparente, deve abrir e fechar apenas pelo lado de fora, mas possui um minúsculo buraco quadrado por onde algum olho curioso me perscruta e me analisa e me observa com a curiosidade dos cientistas ou dos lunáticos.
Ao mesmo tempo em que anseio para que alguém abra a maldita porta e finalmente quebre este encanto que me desespera e me sufoca, fico horrorizado por saber o que muito provavelmente por ela entrarão, junto com a minha condenação, todos os malefícios do mundo como uma caixa de Pandora ao avesso.
É como se eu estivesse fazendo um passeio através do túnel do tempo, aguardando a chegada naquela estação para então descer do trem e vagar pela cidade desconhecida em busca de um anjo que me conduza à verdade.
Do outro lado do parlatório o homem me encara, me contempla, me provoca, e veste a mesma camisa azul que eu visto, e tem o mesmo cabelo desalinhado que eu tenho.
Mas do lado de lá também se faz noite, e nenhuma luz é mantida acesa, de modo que pouco a pouco começo a perder o contato visual com o meu interlocutor.
Se o que fazem comigo é uma tortura, deviam pelo menos me dizer por que assim procedem. Que eu me lembre, não matei ninguém, não roubei nem me envolvi com traficantes de droga. Não maltratei animais, não ameacei nenhum político, não desanquei religiões ou seitas nem urdi alguma trama para chantagear o prefeito.
Não violentei pessoas nem ideias, não pratiquei o opróbio, não violei tumbas, não arrombei cofres nem mijei na porta da igreja.
A paulada que eu desferi na cabeça daquele pérfido ladrão aconteceu há mais de quinze anos, e se assim o fiz foi porque o maldito me roubava enquanto eu cortava uma fatia de pão para saciar sua alegada fome e, por Deus! faria tudo de novo, mesmo depois de ter confessado com o Padre Carmelo e ter sido repreendido pelo delegado, que só não me mandou pra cadeia porque um amigo advogado conseguiu convencê-lo que eu teria agido em legítima defesa.
Até porque o patife não morreu – infelizmente – apenas desapareceu das vizinhanças por uma temporada de férias, forçadas por uma robusta dor de cabeça e pelo pavor de levar outra cacholeta que, essa sim, deveria levá-lo para o mundo dos anjos – ou dos demônios.
A postura do meu inquisidor do outro lado do parlatório, olhando para mim do jeito que olha ou desviando o olhar quando eu também o faço, me desagrada ao extremo.
É estranho ficar aqui sentado esperando o tudo ou o nada acontecer. As paredes do quarto em que me encontro solitário continuam imóveis e só sei que as horas estão passando porque a tonalidade da pintura vai ficando cada vez mais escura com o aproximar da noite, e a claridade que passa pela fresta da janela vai se tornando cada vez mais fraca.

O escurecer cria uma ilusão de ótica aterradora, pois eu sinto as paredes se aproximando milimetricamente e diminuindo o meu espaço vital, o que irá em algum momento me espremer como faria um torniquete a uma laranja madura. Percebo a sua proximidade e até ouso ouvir um ranger de gonzos, como se um mecanismo escondido estivesse efetivamente promovendo a sua aproximação como acontecia nas câmaras de tortura medievais.  

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