DO OUTRO LADO DO
ESPELHO
Parte Um
Percorro com os olhos os quatro pontos cardeais que me cercam neste cubículo onde habito há dias, ou anos, ou séculos, pelo que me diz o relógio da minha semiconsciência.
Estou deprimido, e o mundo que me cerca é este miserável
quarto sem luz, de onde tento olhar por uma fresta de janela fechada e
vislumbrar um jardim florido e coberto pelo sol, com borboletas coriscando aqui
e acolá tendo como fundo um céu de azul sereno retocado por algumas nuvens de
algodão.
O que vejo, no entanto, é um beco imundo sem saída e cheio
de detritos, com a face amarga do inverno se avolumando sombria e insetos mortos
boiando em poças de água, tornando a paisagem desalentadora como a minha vida.
O mundo fede, e o mau cheiro penetra pela fresta da janela
como um gás venenoso que me invade as narinas.
Não encontro ninguém para responder minhas perguntas nem
para satisfazer meus questionamentos.
Grito, e o meu grito se perde no eco do local vazio e
fechado, como o lamento de um moribundo dentro de uma masmorra.
Há um homem no parlatório na sala ao lado, separado de mim
por uma parede de vidro tão espesso que não consigo ouvir a sua voz.
Tenho a impressão de que o conheço, seu rosto não me é
estranho, mas meu torpor me impede de concatenar ideias.
Ele me olha fixamente nos olhos, e eu percebo que repete
tudo o que eu digo, imita meus gestos e, por incrível que pareça, guarda no
rosto a mesma expressão desanimada que estampo na cara macilenta de quem não
dorme há duas semanas. Pelo menos é isto que me parece, já que a minha noção de
tempo está prejudicada pelos meus desvarios.
Não sei ao certo onde estou nem o que estou fazendo aqui, e
a exaustão embota o meu raciocínio.
Devo estar sonhando, pois de outra forma já teria encontrado
uma explicação para esta situação insólita e insustentável – mas dou um murro
na porta metálica e a mão dói, mostrando que estou bem acordado.
Nunca fui uma pessoa brilhante, capaz de grandes descobertas
ou conclusões, mas até um animal que age apenas por instinto teria uma noção
razoável de onde se encontra. Um rato, uma barata acuada, um inseto, que seja,
tem no instinto de sobrevivência o vislumbre de perceber o tamanho do problema
em que se meteu.
Eu, porém, me sinto desgraçadamente inútil e sem rumo.
Parece que estou numa cela, e o único móvel que preenche
este vazio é esta dura cadeira na qual sento e levanto, feita de um duro metal branco
e esmaltado, o que me leva a pensar que estou num hospital ou na antessala de
um manicômio, sendo psicologicamente atormentado para confessar algum delito
que não me lembro de ter cometido.
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