O AVIÃO
Conto publicado no livro “O Fantasma da
FM” em 1992.
(Parte 2)
Para aumentar o nosso sofrimento, o
comissário nos impede de reclinar o banco porque uma zona de turbulência se
aproxima. Somos novamente avisados para mantermos o cinto de segurança
afivelados e que o letreiro de “não fumar” deve ser obedecido. Atenção para a
máscara de oxigênio que pode cair sobre a sua cara tão logo aconteça uma
descompressão de espocar os tímpanos, atenção para vomitar dentro do saco
plástico e não no colo do vizinho e a solicitação urgente para aquele gordo
sair do sanitário tão exíguo que ele não consegue sequer abotoar as calças.
O tempo já não estava lá muito firme na
hora da decolagem, pois o céu de azul cheirava a cinzento, mas a aeronave
subiu, subiu, foi voar por sobre as nuvens e, durante algum tempo, planou como
uma gaivota. Agora, porém, nuvens negras começam a envolver o aparelho,
cumulo-nimbos repletas de eletricidade e partículas de água prontas a serem
descarregadas, e o avião começa a tremer e a despencar como um mosquito atacado
por um jato de inseticida spray.
A turbulência dura exatos dez minutos,
mas parece que foi uma hora. O tempo de uma soneca perdida, das palavras
cruzadas não feitas, da conversa fiada reprimida.
O tempo do pavor.
Relâmpagos coriscam no céu e o estrondo
do trovão que se segue é acompanhado por um murmúrio angustiante, como numa
ladainha.
A aeromoça e a aerovelha já não sorriem
mais, pelo contrário, se tropeçam como galinhas assustadas. O cidadão gordo
está afundado na poltrona como se fosse uma pedra, embora sinta uma necessidade
enorme de voltar ao sanitário.
As garrafas tilintam dentro do “closet”.
A senhora da janela já passou de meio
passada para passada e meio.
A voz do comandante pede calma, como se
estivéssemos voando sobre a zona inimiga na eminência de sofrer um bombardeio –
(pior, estamos para cair!!!).
Cada solavanco o coração parece saltar
pela boca, as mãos agarradas do apoio da poltrona e os dentes travados. O
cavalheiro do jornal já não se importa em me atrapalhar apenas com o cotovelo
esquerdo, agora usa o braço todo com os olhos suplicantes olhando na minha
direção como se eu fosse o piloto, ou como se eu fosse Deus.
É uma verdadeira loucura a gente se
sentir totalmente impotente a quase mil quilômetros por hora, dez mil metros de
altura, no bojo de um artefato de alumínio e plástico que pesa quarenta
toneladas e voa cego como um morcego à mercê da natureza.
O avião corcoveia e dança, e depois de
alguns minutos espicha o nariz para baixo e procura divisar a pista que eu não
vejo, você não vê, o piloto não vê nem o engenheiro de bordo vê. Nem a aeromoça
vê, nem a senhora meio passada vê, nem o gordo vê, nem o vizinho da poltrona do
meio vê, só o radar vê.
O grande pássaro segue descendo,
resfolegando, chacoalhando e se esfregando na chuva e nos elétrons até soltar o
trem de aterrisagem como duas garras de águia, até que numa manobra final ele
saltita três ou quatro vezes sobre a pista de concreto liso e encharcado antes
de conseguir se aprumar de vez a deslizar mansamente por uma avenida de água
até o fim do taxiamento.
Ouvem-se suspiros e murmúrios de
aprovação e preces em voz baixa.
Alguém ri, nervosamente.
O homem gordo corre para o banheiro,
espalhando os demais passageiros como uma bola no jogo de boliche.
Agora entendo porque o papa costuma
beijar o chão cada vez que termina uma etapa de sua viagem aérea.
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