O TAXI
Conto publicado no livro “O Fantasma da
FM” em 1992.
(Parte 2)
O taxi velho segue rateando – água no
distribuidor – e o limpador de para-brisa tenta em vão se livrar da catarata
que enevoa a vista do motorista. Os vidros estão embaçados e no banco traseiro
um jornal meio amassado estampa a manchete de que há seis meses não chove no
sul da Espanha.
“Para onde?” – pergunta o motorista.
“Para o centro” – responde o senhor de
idade e meia.
“Para o centro?!” – o motorista rebate,
irritado. “Este babaca vai me fazer andar um quilômetro e meio que vai daqui até
o centro com o carro a dez quilômetros por hora, entrar num baita
engarrafamento e pagar um pouco mais que a bandeirada! Fosse pelo menos a
mocinha da blusa branca eu ainda ficava satisfeito, mas este estafermo!” –
pensa ele.
“Não dá pra ir pro centro!” – retruca o
motorista, num repente.
“Como, ‘não dá pra ir pro centro’? Eu
vou para o centro!” – replica veementemente o senhor de idade e meia, tentando
furtivamente localizar um guarda de trânsito no meio do vendaval para conseguir
o devido amparo da lei que protege o consumidor.
“Pois eu vou pra zona norte. De lá o
senhor pega o metrô e vai para o centro! – treplica o taxista.
“Isto é um absurdo!” – desabafa o senhor
de idade e meia, não sem antes medir o tamanho e a ferocidade do motorista. Ele
se sente como alguém caindo num precipício e tentando desesperadamente se
agarrar a alguma saliência da rocha para não desabar no vazio. Vai anotar o
número da placa e reclamar para o Sindicato, para a Diretoria de Trânsito, para
a Delegacia do bairro, para a seção de cartas da Folha de São Paulo e para a
mulher de idade e meia quando chegar em casa.
“Ou vai para a zona norte ou desce” –
sentenciou o taxista num tom de voz definitivo que não admitia contestação. Ato
contínuo, ele para o carro disposto a resolver a situação no braço, mas vê
alarmado quatro ou cinco senhoras com pacotes, algumas mocinhas com livros,
outros basbaques de casaco de couro, “office-boys”, cretinos com cara de
infeliz e senhores de idade e meia se atirando sobre o táxi como o fariam
viajantes perdidos no deserto à vista de um copo d’água.
Aterrorizado, e já resignado, o taxista
arranca novamente despejando um jato d’água na mulher que estava quase
alcançando o trinco da porta, ouvindo algumas imprecações e se emaranhando
novamente no trânsito, disposto a levar o senhor de idade e meia para o centro.
“É duro ser motorista de táxi!” – pensa
penalizado consigo mesmo.
A chuva continua a desabar como se
tivesse um buraco no toldo do céu.
O guarda de trânsito sai da banca de
revistas e corre até o barzinho na esquina disposto a tomar um café para
esquentar os ossos.
O senhor de idade e meia suspira.
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