sexta-feira, 22 de dezembro de 2017



O TAXI

Conto publicado no livro “O Fantasma da FM” em 1992.

(Parte 2)

O taxi velho segue rateando – água no distribuidor – e o limpador de para-brisa tenta em vão se livrar da catarata que enevoa a vista do motorista. Os vidros estão embaçados e no banco traseiro um jornal meio amassado estampa a manchete de que há seis meses não chove no sul da Espanha.
“Para onde?” – pergunta o motorista.
“Para o centro” – responde o senhor de idade e meia.
“Para o centro?!” – o motorista rebate, irritado. “Este babaca vai me fazer andar um quilômetro e meio que vai daqui até o centro com o carro a dez quilômetros por hora, entrar num baita engarrafamento e pagar um pouco mais que a bandeirada! Fosse pelo menos a mocinha da blusa branca eu ainda ficava satisfeito, mas este estafermo!” – pensa ele.
“Não dá pra ir pro centro!” – retruca o motorista, num repente.
“Como, ‘não dá pra ir pro centro’? Eu vou para o centro!” – replica veementemente o senhor de idade e meia, tentando furtivamente localizar um guarda de trânsito no meio do vendaval para conseguir o devido amparo da lei que protege o consumidor.
“Pois eu vou pra zona norte. De lá o senhor pega o metrô e vai para o centro! – treplica o taxista.
“Isto é um absurdo!” – desabafa o senhor de idade e meia, não sem antes medir o tamanho e a ferocidade do motorista. Ele se sente como alguém caindo num precipício e tentando desesperadamente se agarrar a alguma saliência da rocha para não desabar no vazio. Vai anotar o número da placa e reclamar para o Sindicato, para a Diretoria de Trânsito, para a Delegacia do bairro, para a seção de cartas da Folha de São Paulo e para a mulher de idade e meia quando chegar em casa.
“Ou vai para a zona norte ou desce” – sentenciou o taxista num tom de voz definitivo que não admitia contestação. Ato contínuo, ele para o carro disposto a resolver a situação no braço, mas vê alarmado quatro ou cinco senhoras com pacotes, algumas mocinhas com livros, outros basbaques de casaco de couro, “office-boys”, cretinos com cara de infeliz e senhores de idade e meia se atirando sobre o táxi como o fariam viajantes perdidos no deserto à vista de um copo d’água.
Aterrorizado, e já resignado, o taxista arranca novamente despejando um jato d’água na mulher que estava quase alcançando o trinco da porta, ouvindo algumas imprecações e se emaranhando novamente no trânsito, disposto a levar o senhor de idade e meia para o centro.
“É duro ser motorista de táxi!” – pensa penalizado consigo mesmo.
A chuva continua a desabar como se tivesse um buraco no toldo do céu.
O guarda de trânsito sai da banca de revistas e corre até o barzinho na esquina disposto a tomar um café para esquentar os ossos.

O senhor de idade e meia suspira.  

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