quarta-feira, 31 de janeiro de 2018






TEMPEROS À ITALIANA

(Conto publicado do livro “À Noite, Todos os Gatos”, em 1998)

(Epílogo)


Garçons corriam como galinhas espantadas. Carlino, o dono, pôs as mãos na cabeça, a senhora gorda desmaiou e o empertigado da calva pronunciada engasgou com o risoto de frutos do mar e estava azul de tanto tossir.
Levantei-me calmamente olhando para o semblante traquinas de Calcedônia que mirava o bilhete jogado sobre o prato regado a finas ervas e me dirigi à porta onde outra melindrosa artisticamente desenhada por entre os caixilhos sorria como Jacqueline Baker.
Dei a volta por detrás da máquina de café instantâneo – “crema caffè naturale funziona senza vapore” – enquanto via Fiordermundo enlouquecido como um lutador de “catch-as-can” sendo seguro firmemente pelo robusto porteiro e pelo maître, ainda berrando – “velhaco!”, “vagabundo!” – para o corpo inerte outrora belo lambuzado de crema di noci e mortalmente ferido, se não na sua saúde, pelo menos no seu orgulho.

-0-

De volta à calmaria das ruas, decidi que retornaria no dia seguinte para pagar a conta, isso se Carlino não computasse tudo por conta do prejuízo e pespegasse uma nota de despesas avolumada na conta do professor.
Decidi também que voltaria a procurar o professor depois desta ação de pugilato para voltarmos a conversar sobre assuntos não ortodoxos como os que regaram o nosso lauto almoço junto com os Valpolicella, Strega & Cia. e também para melhor observar suas reações de Homo sapiens, pois agora eu tinha certeza de que ele era realmente o tipo ideal para estrelar o meu próximo romance. É lógico que eu iria manter uma considerável distância de Calcedônia, que já mostrara do que era capaz em termos de provocar encrencas.
Passei pelo bilheteiro que continuava sentado ao lado da jardineira apreciando o cinza da tarde, pensando em de que forma os palpites podem acontecer no nosso dia-a-dia – o galo cantador, o leão indomável, o pavão presunçoso, a vaca gaiteira...
Isso posto, considerei com certeza que gato, cachorro ou macaco, eu tinha comprado o bilhete errado.   
   



  

Nenhum comentário: