FLORES E VELAS
(Excerto)
Gente falando baixo, tom
cerimonioso (para completar o ambiente, só faltam os acordes pesados de um órgão
e mãos estendidas para um altar imaginário).
Pessoas se entreolham com os
rostos lívidos e embaciados, os gestos são lentos e pausados (a luz é amarela e
mortiça e um cheiro forte de flores e velas se impõe no ar).
No centro do cenário, mesmo
em seu vestido branco de morta, a sereia da floresta esboça um sorriso de
ironia e angústia, num ricto que enlouquece o seu rosto de pedra e o meu rosto
de pedra (os olhos vertendo como fonte).
Flores e velas.
E a morta sorrindo a vida
perdida no lago, o último passeio de barco, olhando para o céu, as mãos em
forma de prece que ela jamais rezou e a aragem bafejando o seu rosto, o nosso
rosto.
E, de repente, o movimento
brusco e a tragédia.
Parece que um enorme leviatã
vai surgir da águas, pois o lago se transforma em um oceano e o barco salta
sobre as ondas, o sol se esconde, os ventos uivam e as gotas de água cintilam
como pedras preciosas. Tudo acontece rapidamente, logo somos tragados pelo
movimento contínuo da sinfonia das águas, e somos separados bruscamente, as
mãos não mais entrelaçadas.
Flores e velas.
Não foi possível fazer nada,
o barco soçobrou e o lago tragou as nossas mocidades. Eu ressuscitei.
Não foi possível fazer nada,
você me olha como se entendesse, mas você não entende.
Não foi possível fazer
nada, vocês me olham com olhares duros como se eu fosse culpado.
Não foi possível fazer
nada, e esta vela vai queimando o meu espírito, deixando no ar uma fumaça mal cheirosa.
A tampa do ataúde se fecha
como meus olhos naquela primeira tarde no parque. Mãos profanas seguram as
alças, e o ataúde dança uma dança macabra a cada passo dos carregadores,
começando enfim aquela procissão sem volta.
Não foi possível fazer
nada, e o caixão dança sinistramente a caminho do seu endereço final.
Terra vermelha caindo em
flocos como uma neve de sangue cobrindo o pálido invólucro, o misterioso
sarcófago.
Cada golpe de pá soa forte
em meus ouvidos.
Nada... nada... nada...
Nada. Agora só grades, ciprestes
e túmulos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário