O JANTAR
(excerto - II)
Este será sem dúvida o último jantar.
Tudo na vida tem o seu último dia, até os
Papas morrem, embora não todos de uma vez, pela evidência da unicidade – ninguém
jamais contaria Papas saltando cercas para poder dormir. É certo que surgem
outros, mas Papa ou carneiros, nunca serão os mesmos, nem seria justo que
fossem, o correto é uma vida de Papa e uma reencarnação de carneiro para fazer
jus à lei das compensações.
Nem a mulata requebrante que traz e leva
os pratos e as terrinas consegue mais disfarçar, pois as cadeiras parecem rebolar
de um jeito falsificado, sem autenticidade na sua filosofia. Ou fingimos todos
ou somos mesmo todos meros marionetes, o que talvez seja mais correto.
Amanhã, Esmeralda vai a um concerto –
melhor que fosse a um conserto, a máquina já um pouco desarranjada, resfolegando
como aquele carro naquele dia naquela praia, as dobradiças chiando, e eu estarei
longe daqui, numa outra praia, com o sol lá no alto marcando outro meio-dia, no
respingo das ondas, com o mar subindo e descendo, arfante como os seios da
sereia.
Este será o último jantar, a última
noite da temporada.
Já vejo Esmeralda à distância, a
cabeceira da mesa entrando na linha do ponto de fuga e Esmeralda fugindo ao longo
dela.
Este será o nosso último jantar, a
última cruzada de talheres sobre o prato.
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