O MALDITO DO BAIRRO
(Excerto)
O maldito do bairro se chama Nicolau e
vai casar por vingança.
Apaixonado já fora pela Crisolda dos
quinze anos, ensandecido pela Crisolda dos vinte, desesperançado pela Crisolda
dos vinte e cinco, irritado pela Crisolda dos trinta e ferido no ego pela
Crisolda dos trinta e cinco.
O maldito do bairro, outrora ardente
conquistador e viril amante de mil amores, a quem Clisolda dardejava olhares de
desdém, vai se casar com o passado.
Nicolau guarda um pouco da maldição de todos
os parentes pilantras e mal-amados, inclusive um atávico e incomodativo laço
com um tio-avô que fez contrabando de cigarros falsificados durante a segunda
guerra, com um irmão que foi para o reformatório e de lá para a cadeia, com um
outro que se alistou na Marinha e até hoje singra mares nunca dantes nevegados e com uma irmã que se perdeu com o cobrador
no último banco do coletivo ao final da última viagem do dia.
Além do mais, bebia rabo-de-galo,
assediava donzelas incautas, jogava sinuca usando camiseta encardida e chinelos
rotos, usava o chulo como vocabulário favorito e fazia gestos obscenos para as
donas de casa que passavam por ele em direção à missa das seis da tarde.
Agora, aos cinquenta e tantos anos de
cachaça e malandragem, a cabeleira antigamente bem arranjada já bastante
grisalha e falha como um galo velho, a barriga proeminente e a barba
eternamente por fazer, Nicolau mantém o velho hábito de cuspir no chão segurando
um palito entre os dentes e de coçar o saco encostado no poste diante do velho
bar.
Cansado de tantas conquistas efêmeras e
tantos amores clandestinos, revivendo a nostalgia dos velhos tempos e do fazendo
um remake das suas grandes batalhas amorosas, ele resolveu se aproximar
novamente de Crisolda num gesto de pura vingança de amante rejeitado.
Nicolau pesou e repesou, pensou e
repensou, e finalmente ponderou que tal aventura poderia não ser a desventura
que ele imaginava um casamento fosse. Crisolda fez o mesmo e, percebendo que o
outono da vida não iria lhe proporcionar um parceiro mais adequado, aceitou o
desafio como quem aceita fazer uma cirurgia de alto risco.
Dizem que o maldito do bairro vai
finalmente se tornar um homem de respeito, embora todos evitem previsões sobre o
possível aparecimento de Nicolauzinhos, Crisoldinhas e afins chilreando por
algum canto da casa.
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