IMPRESSÕES COLHIDAS NO
INFERNO
(Mais um domingo de
Páscoa)
(excerto - II)
Tudo isto me é incompreensível como um
criptograma, ilógico como um paradoxo, anômalo como um eunuco.
As tampas das panelas tremiam sobre o
vapor bem cheirante, o domingo estava claro e cheio de sol, os pássaros voavam
felizes fora das gaiolas, o gato se escondia sob uma cobertura de zinco e a luz
filtrava pelos buracos dos pregos. As ervas balançavam e contrabalançavam ao
sabor da brisa e os vizinhos gargalhavam com gosto de álcool numa libação
pascoalina, uma festa sem respeito neste domingo santo.
Na sexta-feira todos cantavam tristezas
atrás do andor e se persignavam diante do altar – mecanicamente, como um cuco
na hora certa. Todos beijavam os pés de gesso de Senhor morto, assassinado por
eles próprios, todos matavam novamente o Salvador com requintes de hipocrisia e
farisaísmo, todos piedosos dentro das suas próprias conveniências,
esmigalhariam homens e crianças como quem amassa um inseto, arrebentariam suas
cabeças e cuspiriam nos cadáveres dilacerados, mas sempre com os olhos pios
voltados para o sacrário e os lábios balbuciando preces que nunca entenderam,
na certeza de que Ele lhes estende os braços e os chama para o Seu lado.
Tratantes!
No domingo há o morticínio geral. Facas
e asfixias numa sucessão contínua – animais sendo abatidos aos milhões e a gula
matando os homens na orgia das orgias, e aí então ninguém mais se lembrará dos
sofrimentos que Ele sofreu, nem do sangue que Ele derramou aos borbotões, mas
estão alegres porque Ele ressuscitou, embora não consigam entender que
ressuscitar significa morrer primeiro – isto é ou não é um contrassenso?
Os piedosos sapateiam na lápide. O ruído
eu ouço daqui.
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