AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 2 – O COMEÇO DE TUDO
No final da década
de 1920, o jazz tradicional já havia deixado o seu berço na Louisiana e viajado
em direção ao norte e centro-oeste dos Estados Unidos.
Essa viagem
começara sem muito alarde cerca de vinte anos antes, com a subida dos alegres
barcos a vapor ao longo do Rio Mississipi. Estas viagens fluviais eram animadas
por bandas que tocavam o jazz original de Nova Orleans.
Músicos de
reconhecida categoria, como King Oliver, Louis Armstrong, os irmãos Baby e
Johnny Dodds, Zutty Singleton, Tommy Ladnier e Johnny St.Cyr chegaram a fazer
parte das formações de um pianista de nome Fate Marable, que comandava uma das
mais conhecidas orquestras fluviais, e ajudou a transportar a música do sul
para outras paragens. Marable era contratado da companhia Strekfus Mississipi,
responsável pelo serviço de navegação dos riverboats,
que levava pessoas e mercadorias rio acima, de Nova Orleans para Saint Louis, e
que mesmo sem ter tido a consciência histórica do seu trabalho, talvez tenha
sido o maior divulgador do jazz no seu tempo.
Somente a partir
de 1917, no entanto, com o fechamento da maioria das casas noturnas de Nova
Orleans que se concentravam no bairro Storyville, por exigência da Marinha de
Guerra, que considerava o clima dos cabarés lesivo à moral das tropas americanas,
é que a migração do jazz em direção ao norte se consolidou como um verdadeiro
êxodo.
É bem verdade que
os bordéis de Storyville abrigavam na sua grande maioria apenas os pianistas de
jazz, pois os músicos que tocavam instrumentos de sopro costumavam tocar em
clubes ou nas ruas. Existe, portanto, um certo exagero na lenda de que o jazz
se pôs na estrada exclusivamente em virtude da intervenção das Forças Armadas,
embora há de se convir que historicamente foi a partir daí que a sua migração
maciça realmente teve início.
É fato também que
desde 1915 – ou seja, antes da propalada extinção de Storyville – muitos
artistas de Nova Orleans já haviam começado a ir para o norte, notadamente
Chicago, ou para a região da Califórnia. Nesse ano, a Original Dixieland Jass
Band já estivera em Chicago, onde se apresentara usando o nome de Brown’s
Dixieland Jass Band (o grupo iria depois para Nova York, em 1917, para tocar no
famoso Reisenweber Restaurant, no Columbus Circle).
O pianista Eubie
Blake já havia deixado Nova Orleans há algum tempo, e no início de 1917 o também
pianista Fate Marable, aquele famoso pela sua banda de riverboats, estava praticamente radicado em Saint Louis.
Também o
clarinetista Lawrence Duhé, um dos bem-sucedidos músicos da Louisiana, já havia
partido para Chicago em 1916, para tocar ao lado da pianista Lil Hardin.
Assim, durante os
anos 1915 a 1920, devido à chegada de tantos músicos do sul, Chicago se
transformara na nova capital do jazz. Em 1920 lá se encontravam, entre outros,
King Oliver, Johnny Dodds, Jimmie Noone, Honoré Dutrey, Natty Dominique, Minor
“Ram” Hall e duas bandas brancas de dixieland
muito conceituadas – a Original Dixieland Jass Band e a New Orleans Rhythm
Kings.
Naquela época
existia uma total falta de intercâmbio entre as diferentes correntes
artísticas, o que fazia com que o país se dividisse em regiões musicais
específicas.
O sul havia
descoberto a forma revolucionária do jazz através da combinação do blues,
do ragtime e da magia das bandas militares, enquanto o oeste cultivava
um tipo de música voltada quase que exclusivamente para o estilo rural. O
centro do país já experimentava desde as últimas décadas do século dezenove a
música pianística do ragtime, cujos
intérpretes utilizavam às vezes uma roupagem orquestral que incluía até o
violino – ou a rabeca. O sudoeste recebia uma forte influência hispânica devido
à proximidade com a fronteira mexicana (a República do Texas, que ficara
independente do México em 1837, optou pela sua anexação aos Estados Unidos, o
que ocorreu em 1845), e o norte-nordeste, mais elitizado, buscava uma espécie
de supremacia cultural com a presença das grandes orquestras de salão com uma
roupagem vinda diretamente da Europa.
Com a viagem do
jazz tradicional para outros recantos, houve uma considerável troca de
informações entre os diferentes estilos tocados no país. Pouco a pouco a música
tocada nas mais variadas regiões do território americano foi absorvendo a alma
da música proveniente do sul.
O jazz tradicional
levava na sua bagagem um maravilhoso baú de novidades harmônicas que
funcionaram como verdadeiros adereços festivos. Estes adereços foram aceitos e
utilizados até pelos músicos mais ortodoxos, e prepararam o caminho definitivo
da nova música norte-americana. O magnetismo desta nova corrente musical iria,
em pouco tempo, transformar a música popular não apenas na América, mas em todo
o mundo.
Todavia, esta
viagem musical também fez com que as músicas cultivadas em Nova Orleans – o blues, o stomp, o new orleans style
– também começassem a receber uma série de influências com respeito à sua forma
de interpretação e ao seu desenvolvimento harmônico. Assim, o jazz tradicional,
apesar de continuar evidenciando a essência mais pura do blues, começava
a incorporar outros elementos musicais, o que tornava as fórmulas jazzísticas
mais impuras, porém mais ricas e mais bem-elaboradas.
Em 1928, o
pianista, compositor e cantor Jelly Roll Morton, que um ano antes havia
revolucionado o stomp com uma sutileza harmônica até então desconhecida
ao compor a música “The Pearls”,
gravou com os seus Red Hot Peppers duas peças que começariam a modificar o
aspecto orquestral da música originária da Louisiana, chamadas “Georgia Swing” e “Kansas City
Stomp”.
Alguns
pesquisadores atribuem a estas versões a própria origem do swing, talvez por causa do inter-relacionamento diferente entre os
instrumentos, ou quem sabe pela simples menção da palavra “swing” na música alusiva à Georgia.
Morton,
um dos pioneiros do jazz, havia percebido antes de muita gente a importância de
um movimento inovador a partir do ragtime, e teve a coragem de mudar a
estrutura da música, sendo um dos primeiros músicos conhecidos a experimentar o
off-beat – uma inversão no acento percussivo – e a explorar as blue
notes – notas diminuídas na linha melódica – dentro da interpretação
jazzística do início do século vinte.
Ciente
da sua importância, ele mandou confeccionar cartões de visita nos quais se
intitulava “o inventor do jazz e da hot music”, título no qual ele realmente acreditava, embora pouca gente o tenha
levado realmente a sério.
Quando
Morton e outros músicos subiram o Rio Mississipi em direção a Saint Louis, e
depois a Kansas City, o off-beat e as blue notes subiram junto
com eles, e foram sendo espalhados pelo caminho como autênticas sementes do jazz.
Kansas
City, Saint Louis e Sedalia eram cidades intensamente musicais, onde durante os
primeiros anos do século vinte reinou o ragtime
de Scott Joplin, James Scott e Tom Turpin.
A
passagem do jazz por Kansas City, porém, modificou a estrutura do ragtime, dando lugar a uma música
orquestrada que se diferenciava do som convencional existente, por introduzir
um número maior de instrumentos e por produzir o som de um autêntico jazz de salão.
Devido a esta formação orquestral, alguns
historiadores vêem em Kansas City o verdadeiro berço daquela música que alguns
anos mais tarde se convencionaria chamar de swing.
Em
1929, Kansas City possuía algumas orquestras de primeira linha, como a do
pianista Bennie Moten, a do saxofonista Andy Kirk e a chamada Blue Devils
dirigida pelo contrabaixista Walter Page. Todas elas faziam um blues
dançante que seria, na visão de muitos historiadores, o verdadeiro embrião do swing.
Alguns
anos mais tarde, Kansas City apresentaria ao país a melhor orquestra de jazz
nascida na região, comandada pelo pianista Count Basie, que tocava um swing com uma forte pegada de blues e bastante impregnado de
negritude, ao contrário da maioria das orquestras do eixo Chicago-Nova York. O
estilo de Basie se tornou tão marcante que acabou recebendo o nome específico
de “jazz kansas city style”, ou
simplesmente “kansas city”.
Outros
críticos sustentam que a denominação “swing” teria nascido em Nova York com a
orquestra de Duke Ellington, a partir da sua música “It Don’t Mean A Thing (If
It Ain’t Got That Swing)”, que era baseada em um extraordinário naipe de
saxofones composto por Johnny Hodges, Barney Bigard, Harry Carney e Otto
Hardwicke.
Mesmo
sendo a palavra “swing” já utilizada
por Jelly Roll Morton, foi Ellington quem lhe deu a exata conotação do estilo
de música que então se forjava, daí estabelecendo uma espécie de marco inicial.
Ellington
com certeza não tinha a intenção de criar um rótulo, mas “It Don’t Mean A
Thing” fugia da linha “jazz sinfônico” ou do “jungle beat” típicos da sua orquestra, e se transformou num
clássico dançante, emoldurando as noites do Cotton Club, no coração do Harlem.
A música serviu na época para projetar a sua orquestra para além do
convencional.
Ellington,
no entanto, não se preocupava muito com isso. Na verdade, ele chegaria a
declarar alguns anos depois, quando o swing
se consolidava como uma música das multidões, que “jazz é música, swing é negócio”.
A
febre do swing tomava conta de Nova
York e se ramificava para Chicago, Detroit, Kansas City e outras cidades do
país. Dezenas de orquestras foram surgindo, e outras já existentes começaram a
adaptar o seu estilo dentro da nova característica. Os casais que participavam
dos elegantes saraus dançantes exibindo seus passos de dança de uma forma
comportada e vitoriana mudaram a sua postura e começaram a se esbaldar ao som
mais quente da novidade.
Em
1934 a nova fórmula já estava totalmente consolidada, e o novo som orquestral
mostrava a sua face através dos irmãos Tommy e Jimmy Dorsey, que entremeavam
músicas românticas com o intrépido swing,
contando com arranjos e adaptações de um jovem e talentoso trombonista chamado
Glenn Miller. O swing adquiria
consistência não apenas na sua forma dançante, mas também dentro de uma
abordagem mais romântica e sentimental.
Paul
Whiteman já havia desistido de jazzificar a sua música, e a Casa Loma havia
mudado tantas vezes de maestro que já não fazia mais parte das paradas. No
entanto, vários outros grupos continuavm firmes na estrada, como as orquestras
de Fletcher Henderson, Don Redman, Cab Calloway, Chick Webb e Jimmie Lunceford.
Para
a grande maioria dos biógrafos do swing,
porém, a virada realmente começou a partir de 1935, quando o clarinetista Benny
Goodman deu ao estilo a sua devida dimensão, alcançando uma abrangência de
amplitude nacional e fazendo com que o país viesse literalmente a se curvar
diante da força interpretativa da sua música.
O boom experimentado pelo swing, especialmente entre os
adolescentes, teve a mesma força que o início da febre do rock and roll conferiu vinte anos depois.
Até
meados dos anos 1950 o swing reinou
absoluto, e mais orquestras pontificaram, lotando os salões nos quais se
apresentavam, recheando com seus acordes musicais o trabalho de solistas e
vocalistas de grande talento, para a borbulhante e colorida alegria de toda uma
geração.
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