quarta-feira, 8 de julho de 2020





AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 3 – A MAGIA DO SWING

Mas afinal, qual a magia do swing e quais são as causas do seu sucesso?
Se analisado dentro do aspecto puramente social e antropomórfico, o swing tem como referência a Depressão nos Estados Unidos, do mesmo modo que o culto do jovem pela rebeldia trouxe à luz o rock and roll nos anos 1950 e 1960, a curtição inconseqüente e o niilismo motivariam a discoteque e a música dos anos 1970, o ressentimento social traria como conseqüência o heavy rock dos anos 1980 e o escapismo produziria o extreme metal (death, punk, stoner) do final do século vinte.
Mas a explicação para a existência do swing vai além disso.
Na verdade, é difícil definir o que venha a ser swing, mas morfologicamente, considerando que o próprio termo significa balanço ou pulsação, podemos chegar à conclusão de que se trata de um ritmo contagiante com base num compasso mais maleável e mais gingado do que aqueles observados no jazz tradicional ou na música de orquestra convencional, que eram as referências americanas da época. Este movimento dançante contínuo, conhecido como “jive”, se manifesta através de uma multiplicação de sons obtidos por meio das intervenções dos naipes de instrumentos vocalizados, conhecidas como “riffs”.
O swing foi o primeiro estilo musical que falou diretamente ao coração humano coletivo, fazendo a alma rir, e gerando no corpo uma necessidade incontrolável de se movimentar e de manifestar a sua emoção sem depender exclusivamente do ritmo ditado.
Alguns dirão que as danças folclóricas provocam a mesma reação, e que o próprio jazz tradicional também provoca uma ação cinestésica que se manifesta com palmas e com a marcação do ritmo com os pés. Mas, ao contrário destas referências, o swing convida os casais a dançarem livremente, como se quisessem voar, cada qual se expressando como convém à sua própria vontade.
O swing faz um enlace entre a emoção e uma sensação puramente material, pois ao invés de ser simplesmente um veículo que auxilia na dança de salão ou de apenas possuir um efeito contemplativo como outros estilos de jazz, ele provoca uma manifestação predominantemente física através dos acordes, do ritmo e do movimento.
O swing possui uma cadência terrivelmente excitante e sugere uma aceleração no ritmo – o que na verdade não acontece – contendo na sua essência todas as boas influências musicais descobertas pelos pioneiros da Louisiana, às quais foi acrescentado um brilho cintilante.
O swing é uma música que reúne o balanço sincopado do ragtime, a harmonia dolente do blues, a força percussiva do stomp e a melodiosidade das grandes orquestras, e tem o efeito de uma injeção de adrenalina na veia. O swing é uma fusão musical que abriga sob o mesmo manto a intuição do negro escravo, o misticismo da música religiosa, a interpretação irriquieta dos pianistas dos barrelhouses e dos cabarés mal afamados, a irreverência dos músicos de Nova Orleans, a organização das bandas militares e a suntuosidade das orquestrações europeias.
Além disso, o swing possui uma referência histórica, pois marca a introdução maciça dos vários tipos de saxofone na música de jazz de modo que todos eles pudessem ser soprados ao mesmo tempo. Com isso, houve uma mudança radical no line-up do jazz, já que as formações de dixieland geralmente utilizavam clarinete, trompete e trombone na linha de frente e via-de-regra ignoravam o saxofone. O swing não apenas adotou o saxofone, como adotou todos seus tipos de uma só vez!
O swing também concorreu para que o violão ou guitarra tivesse maior destaque em termos de harmonia, introduziu modulações nos arranjos orquestrais e tornou possível uma música de som mais aberto e generoso, e de timbre variado, sem jamais perder a característica do jazz como seu elemento base.
Assim como os pop-stars de hoje, muitos músicos de swing eram venerados tanto quanto os principais astros de Hollywood. Suas fotografias e algumas indiscrições sobre as suas vidas particulares eram estampadas nas páginas dos jornais e revistas, cuja leitura fazia a cabeça de muitos aspirantes que sonhavam com um futuro parecido, e levava ao delírio muitos fãs que acompanhavam as aventuras e as desventuras dos seus artistas preferidos.
Guardadas as devidas proporções, pode-se perfeitamente comparar o comportamento irrequieto das gerações que surgiram com o rock-a-billy até o evento Woodstock – e das subsequentes correntes de vanguarda – ao comportamento não conformista dos jovens americanos dos afamados anos 1920 e 1930, juventude conhecida como “flaming youth”, composta de swingers e bad boys, todos à procura de emoções fortes e de alguma futilidade, mas também de uma música excitante para descarregar a adrenalina concentrada há décadas por conta de uma educação rígida e patriarcal.
Adicionalmente, além de mexer com o comportamento social, o swing trouxe também uma alteração no comportamento das orquestras.
Com a sua chegada, o papel do líder do grupo mudou radicalmente. A postura de alguns maestros da escola antiga, como Paul Whiteman e Paul Ash, que se colocavam à frente da orquestra movimentando a baqueta como se estivessem regendo uma orquestra sinfônica, foi substituída paulatinamente por bandleaders que também tocavam instrumentos e, como tal, se limitavam a alguns gestos quando queriam indicar algum acidente musical, como alterações no andamento e na tonalidade da música, ou marcar a entrada dos naipes de instrumentos ou a alternância dos solistas. Bandleaders como Duke Ellington, Benny Goodman, Glenn Miller, Tommy Dorsey, Artie Shaw e Harry James variavam sucessivamente o seu papel entre orientar a orquestra e tocar os seus respectivos instrumentos.
Da mesma forma, músicos que simplesmente faziam parte do grupo nos tempos dos maestros de baqueta passaram a ter mais oportunidade de aparecer durante a apresentação, solando suas passagens e se tornando às vezes tão famosos quanto seus chefes, a ponto de também merecerem destaques nas páginas dos jornais e das revistas. Músicos como Gene Krupa, Cootie Williams, Coleman Hawkins, Lester Young, Roy Eldridge e muitos outros começaram as suas bem-sucedidas carreiras desta maneira.
As orquestras de swing eram bastante versáteis, pois ao mesmo tempo em que aqueciam a música, dando a ela um brilho e uma pulsação alegre e motivadora, elas também podiam acalmar o ambiente com baladas românticas e sentimentais, utilizando uma cadência relaxante que substituía com vantagem a valsa e outras músicas açucaradas de cunho exageradamente piegas. Se por um lado havia as eletrizantes “Opus One” (Sy Oliver e Sid Garris), “Flying Home” (Benny Goodman, Eddie DeLange e Lionel Hampton) e “Sing, Sing, Sing” (Louis Prima), do outro lado o público podia suspirar ao som de “Stardust” (Hoagy Carmichael e Mitchell Parish), “Serenade In Blue” (Mack Gordon e Harry Warren) ou “I’m Gettin’ Sentimental Over You” (Ned Washington e George Bassman) – e tudo isso podia seu ouvido todas as noites, seja nos ballrooms, nos hotéis ou nas emissoras de rádio.
Algumas orquestras – caso de Artie Shaw e posteriormente Dizzy Gillespie – foram mais além, adicionando ao molho alguns ingredientes latinos inspirados no mambo, ritmo cubano criado por Orestes López e Chachao López que invadiu Nova York em 1939 – sem, no entanto, abdicarem do jazz, presente no balanço, na sonoridade e nos riffs da música. Outras – como as do próprio Artie Shaw e também de Harry James – não abriram mão de naipes de violinos para ajudar no equilíbrio melódico e na harmonia refinada quando necessário.

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