Foto: Duke Ellington e Billy Strayhorn trabalhando em composição e arranjo
AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 13 - O SWING E O JAZZ
(continuação)
Intérpretes e especialistas
sempre mantiveram uma saudável discussão sobre este tema – swing ou
jazz? - principalmente na época em que a transformação se processava.
O crítico Robert
Goffin tinha um duro conceito a respeito da polêmica. Para ele, o swing nada mais era do que “a comercialização e a prostituição do
verdadeiro jazz, escrito exclusivamente
em partituras para castrar a criatividade dos músicos”.
Este conceito
chegou a ser compartilhado por muitos críticos de música e por muitos músicos
de jazz, principalmente os egressos do jazz tradicional. Alguns artistas
negros, inclusive Louis Armstrong e King Oliver viam a princípio a nova música
com certo desdém, por considerarem que a sua excessiva popularização era feita
tão somente para fazer a classe média branca se divertir, sem nenhum
compromisso com o jazz.
Outros músicos,
porém, principalmente aqueles que prontamente se engajaram no novo projeto,
como Ellington, Henderson e Lunceford, sustentavam que o swing havia lapidado no jazz um elemento de brilho que o jazz
possuía apenas na sua forma bruta e que se traduzia no balanço (“swing”,
em inglês) e na orquestração. Ellington fazia uma pequena ressalva em termos de
abordagem (“jazz is music, swing is
business”), mas não fazia distinção sobre a estética musical em si.
Esta corrente de
pensamento afirma que o advento do swing
proporcionou ao jazz tocado na época a possibilidade de aparar seus pontos
rústicos, de aperfeiçoar e arredondar o seu beat e de ingressar numa era
de modernidade, inclusive com o aparecimento de solistas que se sobressairiam
como líderes dos seus naipes e que iriam futuramente facilitar o aparecimento
de um outro estilo que viria acalmar e intelectualizar o jazz e colocar os ouvintes
novamente sentados – o bebop.
O trompetista Roy
Eldridge, que foi uma espécie de elo entre o jazz tradicional e o swing, não via diferença alguma entre os
dois estilos. De acordo com ele, jazz e swing
eram dois nomes diferentes para a mesma coisa, e o surgimento do swing nada mais era do que a
consequência natural da evolução a que tudo está sujeito na vida, inclusive a
música.
O maestro Fletcher
Henderson concordava com Eldridge, mas fazia uma ressalva. Como arranjador,
Henderson achava que o swing era uma
música premeditada, estudada em detalhes e desenvolvida de uma forma que
padronizava a execução, isto é, praticamente não havia diferença entre duas
apresentações quando a mesma orquestra tocava a mesma música em diferentes ocasiões.
O jazz, no entanto, era mais espontâneo e intuitivo, e cada apresentação
resultava num som diferente que dependia do “feeling” particular dos intérpretes
naquele dia.
De qualquer modo,
tanto num aspecto como no outro, o que contava sempre era a concepção rítmica,
a sonoridade, o drive, a unidade do
grupo e o sentimento do arranjador quando ele propunha ou escrevia as partes de
cada solista.
O swing entendeu o momento especial por
que passava a música americana: as pessoas queriam dançar, e dançar significava
lotar os salões construídos com todo o requinte e conforto para esse fim. Mas a
diversão não se limitava à dança, como denunciavam os puristas descontentes; as
pessoas não dançavam o tempo todo e, ao pararem para descansar ou molhar a
garganta, se deparavam com músicos que faziam o espetáculo, com a leitura
fantástica dos solistas e com uma coreografia que fazia ressaltar a qualidade
do grupo. Aí, a música e o espetáculo falavam mais alto do que a dança.
Fala-se também que
o swing, por ser escrito em
partitura, podia ser apresentado de uma maneira mais sofisticada e elaborada do
que o jazz da época, que era mais rude e, portanto, menos sujeito a filigranas.
Isto também não passa de uma grande bobagem.
Os solos de
trombone de Tommy Dorsey, por exemplo, apesar de dotados de grande técnica e
estilo não tinham nada de complicado na sua execução (“Song Of India”, “Where
Did You Learn To Love?”, “Once In A While”) se comparados a certos solos de
trompete de Louis Armstrong (“Stardust”, “I Got Plenty O’ Nuttin’”, “I Cover
The Waterfront”) ou do piano de Jelly Roll Morton (“The Pearls”, “I Thought I
Heard Buddy Bolden Say”). A música “Woodchopper’s Ball”, swing de Woody Herman e Joe Bishop, por mais explosivo que fosse,
ficava quase linear em comparação com as inflexões do tradicionalíssimo “Jazz
Me Blues” de Tom Delaney.
Aqui cabe mencionar
o exemplo único de Duke Ellington. Apesar de ter formado a sua primeira banda
(The Duke’s Serenaders) em 1917 – portanto em plena efervescência do estilo new
orleans – e apesar de já se encontrar em Nova York em 1921 –
portanto sujeito a toda influência que a música tocada na cidade sofria da que
era executada em Chicago, onde pontificavam King Oliver, Kid Ory e Johnny Dodds
– ele jamais se deixou influenciar pelo jazz tradicional, exceto no que diz
respeito à forte presença do blues.
Quando, em 1923,
estimulado pelo pianista Fats Waller, Ellington começou a compor e a tocar
profissionalmente, ele adotou um estilo alternativo criado por ele próprio, sem
usar ninguém como referência. Com os Washingtonians – sua primeira experiência como
líder de uma orquestra de verdade – Ellington usou e abusou de sons exóticos
extraídos das surdinas e de um beat original, um embrião do que seria o
“jungle sound”, que se distanciava da
música dançante típica.
Talvez devido a
essa autenticidade, Ellington tivesse sido tão admirado pelos próprios músicos
das décadas de 1920 e 1930, pois ele conseguira exercer uma liderança dentro da
música norte-americana sem fazer concessões e sem copiar as orquestras
existentes.
É possível, no
entanto, que o reconhecimento do público tivesse demorado um pouco mais a se
concretizar se, por ocasião da gravação de “Lazy Rhapsody” e de “Moon
Over Dixie” em fevereiro de 1932, Ellington não tivesse decidido gravar
uma terceira música, a já comentada “It
Don’t Mean A Thing (If It Ain’t Got That Swing)”, apenas a título de
registro.
Nascida de uma
maneira discreta, “It Don’t Mean A Thing” caiu no gosto popular e acabou
revolucionando a música de orquestra em dois aspectos distintos.
Primeiro, como já mencionado
anteriormente, foi no título e na letra dessa música que o termo “swing”
ficou definitivamente marcado. Segundo, numa consequência lógica, a música
acabou sendo o primeiro swing
composto por Ellington, talvez até sem ele disso se aperceber (outros viriam
mais tarde, com a mesma qualidade e o mesmo swing,
como “Satin Doll”, “Don’t Get Around Much Anymore”, “I’m Beginning To See The
Light”, “I Let A Song Go Out Of My Heart”, etc).
Ellington,
que não tocava nem o jazz tradicional nem o swing
dançante, conseguiu colocar na sua música o sentimento, a essência, a criação
coletiva e o balanço tanto de um quanto de outro. Assim, ele foi a resposta
muda (e musical) para aqueles que criavam uma barreira entre a
“superficialidade” do swing e a
inventividade do jazz, pois não tocava especificamente nem uma coisa nem outra,
mas fazia os dois com absoluta perfeição!
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