terça-feira, 13 de outubro de 2020

 


AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 15 - O EFEITO WALL STREET
(continuação)

             O mercado das gravadoras entrou em franco declínio, e a venda de discos caiu da casa dos cem milhões para apenas seis milhões de exemplares em questão de semanas. Astros e estrelas como o compositor, cantor e pianista Thomas “Fats” Waller e a divina Imperatriz do Blues, Bessie Smith, tiveram suas carreiras prejudicadas em pleno auge.

“Fats” Waller era um dos nomes que mantinham o alto índice de vendas da gravadora Victor, quer como artista solo quer como acompanhante de cantoras que iam desde a respeitável Alberta Hunter até outras de menor apelo, como Hazel Meyers, Sara Martin, Anna Jones e Caroline Johnson. Mesmo com este currículo, Waller teve seu contrato com a gravadora suspenso até 1934, e para ganhar algum dinheiro precisou voltar aos bares esfumaçados e dividir o espaço com outros pianistas que não tinham o mesmo talento.

Bessie Smith era uma recordista de venda de discos e já havia faturado cerca de seis milhões de unidades desde 1923. No entanto, para continuar se apresentando, teve que pedir ajuda para um poderoso gangster de Chicago chamado Richard Morgan, que lidava com o contrabando de bebidas. Só que Morgan garantia os seus shows, mas não havia nada que ele pudesse fazer com respeito à venda de discos. A gravadora Columbia, com a qual Bessie mantinha contrato, também entrara em colapso, e as músicas “Downhearted Blues” e “Gulf Coast Blues”, que haviam vendido durante um bom período uma média de cem mil cópias por semana, simplesmente saíram do catálogo.

“Fats” Waller e Bessie Smith são apenas dois entre centenas de músicos que foram obrigados a abandonar a divulgação fonográfica da sua arte e entrar num recesso profissional temporário por conta das dificuldades financeiras das gravadoras. Neste turbilhão, foram também envolvidos diretores, gerentes e funcionários das empresas de discos, disc-jóqueis que ficaram sem novidades para apresentar ao mercado, radialistas que ficaram sem emprego, editoras que tiveram que reduzir as suas publicações e donos de lojas que foram obrigados a fechar as portas ou mudar de ramo.

Por causa da Recessão, muitos músicos de jazz, principalmente aqueles que relutavam em modernizar as suas criações, foram relegados à mais completa solidão, e sucumbiram diante da falta de renovação e da ausência de público.

É o caso do trompetista King Oliver, figura lendária do jazz tradicional, e do pianista Jelly Roll Morton, o “inventor do jazz”, que se obrigaram a um périplo pelo interior afora buscando reencontrar a sua identidade, mas tiveram que se conformar, em poucos anos, com um fim de carreira precoce.

Oliver vagou pelo sul e ainda conseguiu realizar alguns trabalhos até 1931, quando se aposentou, mudando para a Georgia, onde trabalhou como porteiro e feirante. Morreu em 1938, pobre, doente, desdentado e praticamente anônimo.

Morton se deslocou para o norte e terminou melancolicamente tocando piano em barzinhos de baixa categoria em Washington D.C. Pouco a pouco, ele foi perdendo a saúde, o carro conversível, todo o dinheiro que havia guardado e até o famoso diamante que havia incrustado entre os dentes. Morreu em 1941, vendo o hot jazz em total declínio.

O clarinetista Leon Rapollo, ex-integrante da New Orleans Rhythm Kings também não vislumbrou a oportunidade de reerguer a sua carreira e se perdeu em meio ao cigarro e à bebida falsificada, encerrando seus dias à míngua num hospício, em 1943.

Nem todos os músicos, no entanto, naufragaram.

O pianista Count Basie, por exemplo, foi bafejado pela sorte apesar de ter ficado à pé no meio da estrada, em Oklahoma, quando a banda Blue Devils comandada por Walter Page encerrou repentinamente as suas atividades. Basie não se apavorou e teve a boa ideia de voltar para Kansas City, sua cidade natal, e de se juntar à orquestra de Bennie Moten, que dera um jeito de sobreviver à crise.

Um dos segredos de Moten era tocar em diversos lugarejos nos confins do Kansas, onde a lei federal tinha dificuldade em se fazer cumprir. Outro segredo foi a sua ligação com um tal Tom Pendergast, um gangster que controlava o jogo e a bebida nas casas noturnas do interior, e fazia valer a sua força junto aos prefeitos, juízes e xerifes da região.

Desta forma, Count Basie conseguiu passar ao largo da crise, e quando Bennie Moten morreu em 1935, vítima de uma prosaica operação de amídalas, o pior já havia passado. Aí Basie pode então constituir a sua própria orquestra de nove elementos, a Barons of Rhythm, chamando para compô-la o contrabaixista Walter Page, seu antigo empregador nos Blue Devils, o cantor Jimmy Rushing, amigo de todas as horas, e muitos remanescentes da orquestra de Moten, incluindo o saxofonista Lester Young e o baterista Jo Jones.

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