AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 15 - O EFEITO WALL STREET
(continuação)
O mercado das
gravadoras entrou em franco declínio, e a venda de discos caiu da casa dos cem milhões
para apenas seis milhões de exemplares em questão de semanas. Astros e estrelas
como o compositor, cantor e pianista Thomas “Fats” Waller e a divina Imperatriz
do Blues, Bessie Smith, tiveram suas carreiras prejudicadas em pleno auge.
“Fats” Waller era
um dos nomes que mantinham o alto índice de vendas da gravadora Victor, quer
como artista solo quer como acompanhante de cantoras que iam desde a
respeitável Alberta Hunter até outras de menor apelo, como Hazel Meyers, Sara
Martin, Anna Jones e Caroline Johnson. Mesmo com este currículo, Waller teve
seu contrato com a gravadora suspenso até 1934, e para ganhar algum dinheiro
precisou voltar aos bares esfumaçados e dividir o espaço com outros pianistas
que não tinham o mesmo talento.
Bessie Smith era
uma recordista de venda de discos e já havia faturado cerca de seis milhões de
unidades desde 1923. No entanto, para continuar se apresentando, teve que pedir
ajuda para um poderoso gangster de Chicago chamado Richard Morgan, que lidava
com o contrabando de bebidas. Só que Morgan garantia os seus shows, mas não
havia nada que ele pudesse fazer com respeito à venda de discos. A gravadora
Columbia, com a qual Bessie mantinha contrato, também entrara em colapso, e as
músicas “Downhearted Blues” e “Gulf Coast Blues”, que haviam vendido durante um bom período uma
média de cem mil cópias por semana, simplesmente saíram do catálogo.
“Fats” Waller e
Bessie Smith são apenas dois entre centenas de músicos que foram obrigados a
abandonar a divulgação fonográfica da sua arte e entrar num recesso
profissional temporário por conta das dificuldades financeiras das gravadoras.
Neste turbilhão, foram também envolvidos diretores, gerentes e funcionários das
empresas de discos, disc-jóqueis que ficaram sem novidades para apresentar ao
mercado, radialistas que ficaram sem emprego, editoras que tiveram que reduzir
as suas publicações e donos de lojas que foram obrigados a fechar as portas ou
mudar de ramo.
Por
causa da Recessão, muitos músicos de jazz, principalmente aqueles que relutavam
em modernizar as suas criações, foram relegados à mais completa solidão, e
sucumbiram diante da falta de renovação e da ausência de público.
É o caso do
trompetista King Oliver, figura lendária do jazz tradicional, e do pianista Jelly
Roll Morton, o “inventor do jazz”, que se obrigaram a um périplo pelo interior
afora buscando reencontrar a sua identidade, mas tiveram que se conformar, em
poucos anos, com um fim de carreira precoce.
Oliver vagou pelo
sul e ainda conseguiu realizar alguns trabalhos até 1931, quando se aposentou,
mudando para a Georgia, onde trabalhou como porteiro e feirante. Morreu em
1938, pobre, doente, desdentado e praticamente anônimo.
Morton se deslocou
para o norte e terminou melancolicamente tocando piano em barzinhos de baixa
categoria em Washington D.C. Pouco a pouco, ele foi perdendo a saúde, o carro
conversível, todo o dinheiro que havia guardado e até o famoso diamante que
havia incrustado entre os dentes. Morreu em 1941, vendo o hot jazz em
total declínio.
O clarinetista
Leon Rapollo, ex-integrante da New Orleans Rhythm Kings também não vislumbrou a
oportunidade de reerguer a sua carreira e se perdeu em meio ao cigarro e à
bebida falsificada, encerrando seus dias à míngua num hospício, em 1943.
Nem todos os
músicos, no entanto, naufragaram.
O pianista Count
Basie, por exemplo, foi bafejado pela sorte apesar de ter ficado à pé no meio
da estrada, em Oklahoma, quando a banda Blue Devils comandada por Walter Page
encerrou repentinamente as suas atividades. Basie não se apavorou e teve a boa
ideia de voltar para Kansas City, sua cidade natal, e de se juntar à orquestra
de Bennie Moten, que dera um jeito de sobreviver à crise.
Um dos segredos de
Moten era tocar em diversos lugarejos nos confins do Kansas, onde a lei federal
tinha dificuldade em se fazer cumprir. Outro segredo foi a sua ligação com um
tal Tom Pendergast, um gangster que controlava o jogo e a bebida nas casas
noturnas do interior, e fazia valer a sua força junto aos prefeitos, juízes e
xerifes da região.
Desta forma, Count
Basie conseguiu passar ao largo da crise, e quando Bennie Moten morreu em 1935,
vítima de uma prosaica operação de amídalas, o pior já havia passado. Aí Basie
pode então constituir a sua própria orquestra de nove elementos, a Barons of
Rhythm, chamando para compô-la o contrabaixista Walter Page, seu antigo empregador
nos Blue Devils, o cantor Jimmy Rushing, amigo de todas as horas, e muitos
remanescentes da orquestra de Moten, incluindo o saxofonista Lester Young e o
baterista Jo Jones.
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