AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 16 - A PROIBIÇÃO
Quando
em janeiro de
1920 o Congresso americano fez com que a Emenda 18 da Constituição do país começasse
a ser aplicada, ele estava criando uma lei que contrariava uma outra lei, não
escrita mas naturalmente obedecida pelos cidadãos americanos por uma questão de
tradição e hábito: a “lei do copo”.
A nova lei
simplesmente proibia a fabricação, o consumo e a posse de bebidas alcoólicas, e
apesar de decidida em janeiro, foi oficialmente posta em prática apenas no dia
16 de julho, depois de acirradas discussões entre os congressistas que pregavam
a austeridade, todos republicanos, e uma minoria democrata, que apelava para as
liberdades individuais, tentando com isso demover o Congresso da aplicação
prática da medida.
Beber
fazia parte da cultura americana, como de resto faz parte da cultura de quase
todo mundo, e a proibição apenas aguçou a vontade da população tomar umas e
outras a mais, fazendo aumentar o número de beberrões. Assim como era
impossível fazer o povo americano deixar de respirar, também era impossível
fazer com que ele deixasse de beber, principalmente por meio de um decreto.
Além do mais,
havia outra questão importante a ser levada em conta: as indústrias de bebidas,
como qualquer corporação forte, empregava milhões de pessoas, e todos –
fabricantes e empregados – viviam à custa do prazer que proporcionavam a outros
milhões de consumidores.
O
governo podia até abrir mão dos bilhões de dólares anuais que a comercialização
de bebidas rendia ao tesouro nacional através do recolhimento de taxas e
impostos, mas os hotéis, os restaurantes, os salões de dança, os armazéns, os
botequins, as empresas transportadoras, os promotores de festas e os bebedores
em geral ficaram muito contrariados com a ideia. Assim, no rastro deste
flagrante prejuízo, havia um enorme número de pessoas descontentes e dispostas
a descumprir a lei.
Qualquer que tenha
sido a intenção dos legisladores, o resultado prático da proibição foi, na
verdade, um enorme jogo de cena, onde os guardiões da lei faziam de conta que
vigiavam o seu cumprimento, e a população, em meio a uma ou outra detenção,
fingia que acreditava que a coisa fosse séria.
O preço que a
nação pagou por esta demonstração de força foi o aparecimento de incontáveis
bares clandestinos. Estima-se que apenas em Nova York tenham sido abertos cerca
de cinquenta mil bares dos diversos tamanhos e qualificações, e alguns pesquisadores
garantem que este número possa ter ultrapassado a casa dos cem mil.
Os novaiorquinos
chamavam estes bares clandestinos pelo nome de “speakeasy”, que significa algo como “lugar onde se deve falar baixo” (e, é lógico, beber comportadamente,
sem chamar a atenção).
Havia uma frase
consagrada na cidade que ilustrava muito bem o deboche e o descrédito com que o
povo via o cumprimento da Lei Seca: “Se você quiser se embriagar em Nova York, basta
caminhar uns dez metros em qualquer direção”. A frase deixa
mais que evidente a quantidade de “speakeasies” que o bebedor tinha à sua escolha.
Os “speakeasies” traziam no seu cardápio todo
tipo de bebida ilegal, regada por uma boa música que era tocada por pequenos
grupos ou até grandes orquestras, dependendo do tamanho do local. Boa parte
deles, porém, não oferecia apenas a bebida, mas incluía outros entretenimentos
claramente ilícitos, como a prostituição, o jogo de azar e as drogas.
Esta ilicitude
acabou sendo um dos motivos do crescimento anormal desses bares clandestinos e aguçou
a vontade de se embriagar – se beber já era naturalmente gostoso, que dirá
beber driblando uma proibição federal, em ambientes agradáveis, cercado por
lindas garçonetes trajando saias diminutas e usando um sorriso de anúncio de
dentifrício, com muito dixieland, chicago, charleston ou swing utilizado
como música de fundo? E, supremo prazer, divertir-se sabendo estar cometendo um
pecadilho contra a moral estabelecida!
Como tudo o que é
proibido parece ser mais gostoso, a Prohibition veio adicionar este
pequeno sabor ao charmoso uísque “on the rocks”, à borbulhante champanhe
ou à popular caneca de cerveja gelada e cheia de espuma.
Muitos
locais funcionavam abertamente sob a fachada de respeitáveis restaurantes e
lanchonetes, fazendo de conta que serviam sucos e refrigerantes, porém misturando
gim ou uísque na soda limonada ou na Coca-Cola. Outros, mais e mais
abrangentes, faziam o seu negócio no subsolo, protegidos por um alçapão que era
levantado sob o comando de um “abre-te Sésamo” em forma de senha, permitindo ao
usuário descer para um porão mal ventilado e se embriagar à vontade sem ter que
mascarar a sua bebida.
Havia estabelecimentos
que não passavam de galpões disfarçados de depósitos, garages ou oficinas, para
onde convergiam caixas de uísque de baixa qualidade e tonéis de cerveja
caseira, tudo vendido a um alto preço que era pago sem discussão por uma
burguesia desejosa apenas de muita diversão e esbórnia.
Por conta da
diversão, a música e o jogo clandestino também faziam parte do cenário, e os
proprietários ou gerentes eram comandados nas sombras por gângsters que davam proteção e
garantia ao negócio e “trabalhavam” nos bastidores para que as autoridades
fizessem ouvidos moucos e olhos de mercador, daí nascendo outro enorme jogo de
faz-de-conta.
Afinal, era inacreditável
que dentro dos bares subterrâneos as orquestras não poupassem o seu fôlego,
tocando a todo vapor e fazendo a música estranhamente fluir das entranhas da
terra sem que isso despertasse a atenção da lei...
A Lei Seca foi
mantida por treze anos na esperança de que pudesse reduzir a criminalidade, o
vício e a pobreza, e desta forma melhorar a qualidade de vida do povo
americano. Só que durante a sua vigência, a lei provou ter sido um enorme
equívoco, pois causou o mais retumbante fracasso. Nunca o povo bebeu tanto, e
nunca as mortes causadas pelo alcoolismo alcançaram índices tão alarmantes. O
cidadão americano, que possuía uma índole patriótica e tinha a vocação de ser
um fiel cumpridor de leis, tornou-se desobediente e rebelde, ou seja, na
prática, a proibição transformou homens honrados em reles criminosos
perseguidos pela polícia.
O mercado negro de
bebidas movimentava aqueles bilhões que o governo desprezara e o crime
organizado prosperava nas mãos das “famílias” que aproveitavam aquele bom
momento. As quadrilhas dos gângsters
brigavam entre si pelos melhores pontos, ao mesmo tempo em que se uniam contra
o inimigo comum – a Polícia Federal ou algum senador mais exacerbado.
Em 1908 havia sido
criado o Bureau of Investigation, com a finalidade de investigar e punir as
ações fora da lei, mas ele não tinha a cobertura de uma lei federal e se limitou
a colaborar com algumas investigações de caráter especial. Isso durou até julho
de 1932, quando a necessidade de se intensificar os rigores da lei fez com que
o Bureau fosse promovido a uma entidade federal, mudando o nome para Federal
Bureau of Investigation – FBI, mas isto veio a ocorrer apenas em 1935. Só que,
quando veio a mudança, já fazia dois anos que a Lei Seca havia sido abolida.
O presidente
Franklin Delano Roosevelt pressionou pessoalmente o Congresso americano e o
Secretário da Justiça, Homer Cummings, para que fosse aumentada a área de
atuação da Polícia Federal a fim de que ela tivesse mais poderes, pois a situação
havia se tornado especialmente complicada depois da Grande Depressão de 1929,
quando os tempos difíceis fizeram aumentar a criminalidade.
Dois acontecimentos
vieram dar razão ao presidente e colocar a opinião pública, antes indecisa, a
seu lado: o massacre de uma família de nativos da tribo Osage em Oklahoma por
questões de terra e petróleo, e o rapto seguido de assassinato do bebê Charles
A. Lindbergh Junior, filho de um herói americano – aquele mesmo do lindy hop (ver Capítulo 8) – fato que
movimentou inclusive a imprensa internacional.
Nenhum destes
crimes, porém, parecia ter qualquer relação com a proibição da bebida, e os
parlamentares começaram a perceber que realmente existiam coisas mais
importantes para que eles se preocupassem do que simplesmente fiscalizar
bêbados.
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