AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 18 - AS RAZÕES DO DECLÍNIO
(Parte final)
O twist
foi
mais um dos ritmos nascidos dos guetos negros que utilizavam a black music dançante como alternativa para o jazz intelectualizado dos
anos 1950 em contraposição às orquestras brancas que ainda dominavam parte do
mercado.
Este movimento,
conhecido de uma forma geral como “movimento hoola-hoop”, incluía entre
os seus estilos dançantes não apenas o twist, mas também outros ritmos
modernos da época, como o frog, o watusi, o hully-gully, o
swim e o snake, cujos
nomes representavam a forma de expressão dançante dos aficionados.
O twist foi
um nome encontrado para rotular o ritmo popular e dançante que surgiu em 1955
com a música de Hank Ballard que se chamava exatamente “The Twist”. A música foi gravada em 1959 por Chubby Checker e,
se não tinha o mesmo apelo cult do rock and roll, era
comercialmente interessante, pois vendia discos, e fazia com que a juventude
voltasse a dançar de uma forma frenética, nos mesmos moldes do então preterido lindy
hop.
Enquanto
o twist apresentava Chubby
Checker fazendo um enorme sucesso no Peppermint Lounge, em Nova York, ao lado
de Joey Dee and The Starlighters e do The Isley’s Twist and Shout, o rock
se fazia presente em locais de menor expressão e não se preocupava em
diferenciar a música negra da música branca, mas simplesmente em preservar o blues,
acrescentando a ele um sabor western-country e procurando desenvolver
improvisos com as guitarras e com o piano ao estilo harlem stride.
O rock
lançou em pouco tempo nomes que imortalizariam este estilo de música, como Bill
Haley (and His Comets), Gene Vincent (and His Blue Caps), Carl Perkins, Little
Richard, Chuck Berry, Ricky Nelson, Buddy Holly, Johnny Cash, Eddie Cochran, Jerry
Lee Lewis e, logicamente, Elvis Presley.
O bluesman Bo Diddley – nascido Ellas Otha Bates e
rebatizado Ellas McDaniel – atribui para si o estilo rebolante de interpretar o
rock-a-billy. Porém, de acordo com suas palavras textuais, proferidas
para o autor deste livro por ocasião do Festival de Blues realizado em São
Paulo em 1985, ele era “negro, de baixa estatura e feio, e a música
precisava de algum astro que fosse branco, alto e bonito para emplacar o estilo“.
Daí, concluiu Diddley, surgiu o mito Elvis Presley.
O fato é que Bo
Diddley sempre se fixou mais no blues autêntico, fortemente voltado para
o rhythm & blues, do que no rock
and roll, enquanto Chuck Berry, outro negro feio e desengonçado, também
muito rebolativo, começava a brilhar no rock-country, conseguindo uma
grande popularidade, embora sem concorrer propriamente com Elvis.
Como a preferência
do jazz foi direcionada para o bebop e seus derivados, tendo como
aficionado um tipo de público cuja preferência era ouvir, não dançar, aqueles
que apreciavam o lindy hop encontraram no rock and roll e
principalmente nas músicas do movimento hoola-hoop um bom motivo e
inspiração para exercerem seus dotes de bailarinos.
O swing se via relegado a uns poucos
salões que conseguiam reunir os últimos dos seus fervorosos adeptos, mas a
tendência era fenecer pouco a pouco, cedendo lugar para os ritmos mais
modernos.
A pancada foi
maior quando Elvis Presley se projetou internacionalmente e começou a
colecionar discos de ouro entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1960,
e foi maior ainda quando a América recebeu, em 1962, a ruidosa visita do novo
fenômeno mundial da música pop, da
discografia e dos costumes –The Beatles.
Este fenômeno não
afetou apenas o jazz. O cantor Tony Bennett, em uma entrevista dada há alguns
anos, declarou num tom de reclamação que Elvis Presley foi o responsável durante
um bom tempo pelo emurchecimento dos standards
– swingados ou não – executados por
orquestras e cantores. E ele continua – “nossos
standards levaram muito tempo para voltar a ter o antigo apelo musical para o
grande público americano depois que Elvis apareceu”.
A Broadway,
tradicional centro de atrações artísticas que tinha como base os espetáculos
musicais, também perdeu o pique por quase duas décadas, naufragando junto com
os famosos ballrooms – os salões de dança – enquanto que o Harlem
embarcava na nova onda do bebop. A indústria cinematográfica de
Hollywood, que havia se acostumado a abrir espaço para músicos e orquestras nos
seus filmes de entretenimento, teve que redimensionar o seu enfoque em função
da concorrência da televisão e da chegada dos novos estilos musicais.
E em todos os
casos, o swing acabou sendo o grande
derrotado.
O swing também teve que enfrentar
problemas no mercado fonográfico. Apesar de o método utilizado para as gravações
nos anos 1930 ter sido bastante rudimentar e não demandar uma tecnologia de
ponta, na maioria das vezes o resultado final era magnífico. Os microfones
pareciam captar com uma fidelidade especial o recado dado pelos instrumentos, e
talvez em função da alta qualidade das orquestras – Tommy Dorsey, Benny
Goodman, Duke Ellington, Count Basie, Harry James, Artie Shaw – as gravações
guardavam uma emoção que não chegou a ser alcançada mesmo quando a tecnologia
evoluiu. Registros fonográficos dos anos 1920-1930 reproduzem com fidelidade toda
a emoção e o sentimento de solistas como Louis Armstrong ou Sidney Bechet.
O avanço
tecnológico, que durante os anos 1950 nos revelou o sistema de alta-fidelidade,
acabou dando um tratamento artificial ao som das orquestras. A impressão que
isso causava é que as gravadoras tinham uma preocupação muito maior com os
decibéis e os efeitos especiais do que com a qualidade do som, de modo que
muitas bandas nascidas nessa época pecaram por privilegiar a mecânica e a
potência do som em detrimento da sua magia.
As big bands
voltaram a ter espaço nas gravadoras, mas o swing
apresentado não passava de um arremedo, se comparado com aquele vendaval de
polifonia da sua época áurea. Nas novas gravações, o que pontificava eram os
naipes de trompetes estridentes e uma seção rítmica que produzia um som cada
vez mais distante do jazz e do blues, mais apropriado para trilhas
sonoras do cinema do que para jazzófilos exigentes.
O
país crescera muito, e enquanto o jazz tomava uma direção elitizada, cultivado
por um grupo mais reduzido de apreciadores, o swing virava relíquia, ao lado do dixieland e do chicago, e
resumia as suas apresentações a algumas casas especializadas para um público
pequeno e definido.
Com o passar do
tempo, veio a guerra da Coréia, depois veio a Guerra Fria contra a União
Soviética, e finalmente uma guerra bem quente, a do Vietnam, que mobilizou a
música americana em direção às canções de protesto, a maioria de origem folk,
produzidas por um punhado de artistas “paz e amor”, como Joan Baez, Bob Dylan,
Phil Ochs, Pete Seeger, Woodie Guthrie, e mesmo Paul Simon e Tom Petty – onde o
que brilhava era uma poesia contundente emoldurada por uma voz pungente e um
violão solitário, o que fazia uma big band soar como música
pré-histórica ou vinda de um outro planeta.
Mesmo
sendo ainda cultivado por uma minoria saudosista, o swing acabaria por receber um golpe de misericórdia com a
descoberta da música eletrônica com os seus sintetizadores cada vez mais
arrojados, que eram física e economicamente mais viáveis do que um punhado músicos
com os seus instrumentos acústicos.
Com isso, e em
nome dessa modernidade, o swing teve
ainda que pagar outro alto preço. Muitos músicos da época, que eram artistas
irrepreensíveis, foram aos poucos substituídos por competentes engenheiros e performers,
fazendo com que a qualidade da música chegasse às vezes a ficar abaixo de
qualquer expectativa, embora contasse com plena aceitação do público.
De acordo com o
crítico Murray Pfeffer, apesar de haver neste início do século vinte e um um
movimento neo-swing (como será visto
mais adiante), nascido durante a década de 1990, existe uma grande dificuldade
em se encontrar atualmente músicos com o perfil de um verdadeiro artista de
orquestra de salão que consiga executar ao mesmo tempo uma música dançante e
extrair do conjunto um som jazzístico. Conforme Pfeffer, porém, a busca pelo
renascimento do swing veio provar que
“boa música, dança e romantismo nunca ficaram fora de moda” e que “apesar do modernismo e do som eletrificado,
muita gente ainda sente falta de uma música ‘real’ com uma orquestra ‘real’ se
apresentando ao vivo”.
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