sábado, 21 de novembro de 2020

 


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 18 - AS RAZÕES DO DECLÍNIO
            (Parte final)

O twist foi mais um dos ritmos nascidos dos guetos negros que utilizavam a black music dançante como alternativa para o jazz intelectualizado dos anos 1950 em contraposição às orquestras brancas que ainda dominavam parte do mercado.

Este movimento, conhecido de uma forma geral como “movimento hoola-hoop”, incluía entre os seus estilos dançantes não apenas o twist, mas também outros ritmos modernos da época, como o frog, o watusi, o hully-gully, o swim e o snake, cujos nomes representavam a forma de expressão dançante dos aficionados.

O twist foi um nome encontrado para rotular o ritmo popular e dançante que surgiu em 1955 com a música de Hank Ballard que se chamava exatamente “The Twist”. A música foi gravada em 1959 por Chubby Checker e, se não tinha o mesmo apelo cult do rock and roll, era comercialmente interessante, pois vendia discos, e fazia com que a juventude voltasse a dançar de uma forma frenética, nos mesmos moldes do então preterido lindy hop.

Enquanto o twist apresentava Chubby Checker fazendo um enorme sucesso no Peppermint Lounge, em Nova York, ao lado de Joey Dee and The Starlighters e do The Isley’s Twist and Shout, o rock se fazia presente em locais de menor expressão e não se preocupava em diferenciar a música negra da música branca, mas simplesmente em preservar o blues, acrescentando a ele um sabor western-country e procurando desenvolver improvisos com as guitarras e com o piano ao estilo harlem stride.

O rock lançou em pouco tempo nomes que imortalizariam este estilo de música, como Bill Haley (and His Comets), Gene Vincent (and His Blue Caps), Carl Perkins, Little Richard, Chuck Berry, Ricky Nelson, Buddy Holly, Johnny Cash, Eddie Cochran, Jerry Lee Lewis e, logicamente, Elvis Presley.

O bluesman Bo Diddley – nascido Ellas Otha Bates e rebatizado Ellas McDaniel – atribui para si o estilo rebolante de interpretar o rock-a-billy. Porém, de acordo com suas palavras textuais, proferidas para o autor deste livro por ocasião do Festival de Blues realizado em São Paulo em 1985, ele era “negro, de baixa estatura e feio, e a música precisava de algum astro que fosse branco, alto e bonito para emplacar o estilo“. Daí, concluiu Diddley, surgiu o mito Elvis Presley.

O fato é que Bo Diddley sempre se fixou mais no blues autêntico, fortemente voltado para o rhythm & blues, do que no rock and roll, enquanto Chuck Berry, outro negro feio e desengonçado, também muito rebolativo, começava a brilhar no rock-country, conseguindo uma grande popularidade, embora sem concorrer propriamente com Elvis.

Como a preferência do jazz foi direcionada para o bebop e seus derivados, tendo como aficionado um tipo de público cuja preferência era ouvir, não dançar, aqueles que apreciavam o lindy hop encontraram no rock and roll e principalmente nas músicas do movimento hoola-hoop um bom motivo e inspiração para exercerem seus dotes de bailarinos.

O swing se via relegado a uns poucos salões que conseguiam reunir os últimos dos seus fervorosos adeptos, mas a tendência era fenecer pouco a pouco, cedendo lugar para os ritmos mais modernos.

A pancada foi maior quando Elvis Presley se projetou internacionalmente e começou a colecionar discos de ouro entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1960, e foi maior ainda quando a América recebeu, em 1962, a ruidosa visita do novo fenômeno mundial da música pop, da discografia e dos costumes –The Beatles.

Este fenômeno não afetou apenas o jazz. O cantor Tony Bennett, em uma entrevista dada há alguns anos, declarou num tom de reclamação que Elvis Presley foi o responsável durante um bom tempo pelo emurchecimento dos standardsswingados ou não – executados por orquestras e cantores. E ele continua – “nossos standards levaram muito tempo para voltar a ter o antigo apelo musical para o grande público americano depois que Elvis apareceu”.

A Broadway, tradicional centro de atrações artísticas que tinha como base os espetáculos musicais, também perdeu o pique por quase duas décadas, naufragando junto com os famosos ballrooms – os salões de dança – enquanto que o Harlem embarcava na nova onda do bebop. A indústria cinematográfica de Hollywood, que havia se acostumado a abrir espaço para músicos e orquestras nos seus filmes de entretenimento, teve que redimensionar o seu enfoque em função da concorrência da televisão e da chegada dos novos estilos musicais.

E em todos os casos, o swing acabou sendo o grande derrotado.

O swing também teve que enfrentar problemas no mercado fonográfico. Apesar de o método utilizado para as gravações nos anos 1930 ter sido bastante rudimentar e não demandar uma tecnologia de ponta, na maioria das vezes o resultado final era magnífico. Os microfones pareciam captar com uma fidelidade especial o recado dado pelos instrumentos, e talvez em função da alta qualidade das orquestras – Tommy Dorsey, Benny Goodman, Duke Ellington, Count Basie, Harry James, Artie Shaw – as gravações guardavam uma emoção que não chegou a ser alcançada mesmo quando a tecnologia evoluiu. Registros fonográficos dos anos 1920-1930 reproduzem com fidelidade toda a emoção e o sentimento de solistas como Louis Armstrong ou Sidney Bechet.

O avanço tecnológico, que durante os anos 1950 nos revelou o sistema de alta-fidelidade, acabou dando um tratamento artificial ao som das orquestras. A impressão que isso causava é que as gravadoras tinham uma preocupação muito maior com os decibéis e os efeitos especiais do que com a qualidade do som, de modo que muitas bandas nascidas nessa época pecaram por privilegiar a mecânica e a potência do som em detrimento da sua magia.

As big bands voltaram a ter espaço nas gravadoras, mas o swing apresentado não passava de um arremedo, se comparado com aquele vendaval de polifonia da sua época áurea. Nas novas gravações, o que pontificava eram os naipes de trompetes estridentes e uma seção rítmica que produzia um som cada vez mais distante do jazz e do blues, mais apropriado para trilhas sonoras do cinema do que para jazzófilos exigentes.

O país crescera muito, e enquanto o jazz tomava uma direção elitizada, cultivado por um grupo mais reduzido de apreciadores, o swing virava relíquia, ao lado do dixieland e do chicago, e resumia as suas apresentações a algumas casas especializadas para um público pequeno e definido.

Com o passar do tempo, veio a guerra da Coréia, depois veio a Guerra Fria contra a União Soviética, e finalmente uma guerra bem quente, a do Vietnam, que mobilizou a música americana em direção às canções de protesto, a maioria de origem folk, produzidas por um punhado de artistas “paz e amor”, como Joan Baez, Bob Dylan, Phil Ochs, Pete Seeger, Woodie Guthrie, e mesmo Paul Simon e Tom Petty – onde o que brilhava era uma poesia contundente emoldurada por uma voz pungente e um violão solitário, o que fazia uma big band soar como música pré-histórica ou vinda de um outro planeta.

Mesmo sendo ainda cultivado por uma minoria saudosista, o swing acabaria por receber um golpe de misericórdia com a descoberta da música eletrônica com os seus sintetizadores cada vez mais arrojados, que eram física e economicamente mais viáveis do que um punhado músicos com os seus instrumentos acústicos.

Com isso, e em nome dessa modernidade, o swing teve ainda que pagar outro alto preço. Muitos músicos da época, que eram artistas irrepreensíveis, foram aos poucos substituídos por competentes engenheiros e performers, fazendo com que a qualidade da música chegasse às vezes a ficar abaixo de qualquer expectativa, embora contasse com plena aceitação do público.

De acordo com o crítico Murray Pfeffer, apesar de haver neste início do século vinte e um um movimento neo-swing (como será visto mais adiante), nascido durante a década de 1990, existe uma grande dificuldade em se encontrar atualmente músicos com o perfil de um verdadeiro artista de orquestra de salão que consiga executar ao mesmo tempo uma música dançante e extrair do conjunto um som jazzístico. Conforme Pfeffer, porém, a busca pelo renascimento do swing veio provar que “boa música, dança e romantismo nunca ficaram fora de moda” e que “apesar do modernismo e do som eletrificado, muita gente ainda sente falta de uma música ‘real’ com uma orquestra ‘real’ se apresentando ao vivo”.

 

 

 

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