quarta-feira, 4 de novembro de 2020

 


AS CORES DO SWING
            (Livro de Augusto Pellegrini)

CAPÍTULO 17 - O HOMEM POR DETRÁS DO TRONO
            (Continuação)

Em 1927, durante a efervescência dos anos dourados, a orquestra de Fletcher Henderson era a mais comentada nas rodas dos críticos musicais de Nova York, que elogiavam o estilo puramente jazzístico do grupo.

Comparações eram feitas com outros maestros bem sucedidos do momento, principalmente com o som cheio de maneirismos de Paul Whiteman e com o estilo intenso e sinfônico de Duke Ellington. Os críticos consideravam a orquestra de Fletcher Henderson mais leve, com o jazz fluindo naturalmente dentro de arranjos bem produzidos que jamais partiam para o exagero, e mostrando uma música que chegava aos ouvidos dos ouvintes de uma forma menos complicada, pois apesar das firulas repletas de riffs e de efeitos, o som resultante não deixava de ser simples e fácil de ser entendido.

Anos mais tarde, o músico e analista Leonard Feather declarava que, mesmo com a existência de Duke Ellington, “a orquestra de Fletcher Henderson foi a primeira a adquirir uma grande reputação perante os músicos e os críticos, tocando o que realmente se entende por jazz orquestral”. Ele se referia ao fato de que a maioria das orquestras estava mais preocupada com o seu sucesso comercial, preferindo interpretar canções de grande apelo popular do que buscar novas alternativas. Na opinião de Feather, “muitas destas orquestras utilizavam o jazz apenas como um mero ingrediente, não como essência”. Evidentemente, esta crítica específica não se aplicava a Ellington.

Mas, se talento musical era o que não faltava a Fletcher Henderson, sua habilidade como empresário deixava um pouco a desejar. Ele era demasiado gentil num mercado onde predominava a agressividade na busca pelo espaço e pela fama.

Com a saída de Don Redman, e a consequente necessidade de se concentrar nos arranjos e na parte musical da orquestra, Henderson permaneceu durante muito tempo tocando em Nova York, mais exatamente no Roseland Ballroom, em vez de excursionar para outras cidades e divulgar o seu trabalho, como faziam os outros bandleaders.

Além disso, ele cometeu um grave erro, o de querer fazer tudo sozinho, misturando a administração das finanças e o gerenciamento dos contratos com o seu trabalho de músico e arranjador, incluindo nisso a escolha do repertório. Esta tarefa era muita coisa para um homem só.

A situação piorou em 1928, quando ele sofreu um acidente automobilístico que o manteve fora de atividade por algum tempo. Se ele já era naturalmente um homem do tipo pacato, mais inativo ele ficou depois de se recuperar do trauma, exatamente numa época onde cada centímetro quadrado da briga pelo sucesso era disputado por diversas bandas.

Assim, em 1929, muitos dos seus músicos saíram do grupo, obrigando-o a praticamente reformular a orquestra. Henderson manteve o naipe de três clarinetes – herança de Don Redman – e fez arranjos para ressaltar a importância do saxofone, aproveitando-se da presença robusta de Coleman Hawkins, a fim de suavizar os solos mais agressivos que haviam se “trompetizado” sob a influência de Louis Armstrong. Mas algum tempo depois, Hawkins decidiu sair da orquestra e foi para Londres iniciar uma turnê com a orquestra de Jack Hylton, um popular bandleader inglês.

Com a saída de Hawkins e com diversos arranjos preparados para o saxofone, Henderson trouxe para o seu lado os talentosos Lester Young e Chu Berry.

A lua de mel com Lester Young não durou muito tempo, pois seu estilo de tocar era diametralmente oposto ao de Hawkins, que possuía um “drive” mais encorpado. Young não parecia disposto a ceder aos apelos de Henderson para tocar com mais garra, e o maestro implicava com o jeito preguiçoso de Young soprar o seu instrumento.

Ele me convidava para ir à sua casa e ouvir as gravações de Coleman Hawkins para me habituar com o estilo”, contava Young. “Não reclamei nem me senti ofendido, mas deixei claro que Hawkins era Hawkins e que eu procurava o meu próprio caminho”.

Assim, Lester Young resolveu voltar para a orquestra de Count Basie.

Mas este era apenas parte do problema.

Com a Depressão, a questão financeira começou a pesar e teve uma influência negativa no desempenho da orquestra. Mesmo assim o grupo continuou com as suas apresentações no Roseland até 1934, embora sem mostrar o mesmo brilho. O final do contrato com o Roseland Ballroom coincidiu com a saída de Coleman Hawkins, e com a consequente mudança na sonoridade da orquestra.

Alguns críticos, no entanto, creditam o acentuado declínio enfrentado pela orquestra de Fletcher Henderson no início dos anos 1930 à sua completa indiferença pela interação com o público. Ele não fazia concessões nem procurava saber o que os ouvintes estavam achando da sua música, o que ajudou a criar um clima de descontentamento e preocupação entre os seus músicos.

Além do mais, seu declínio coincidiu com a ascensão de uma orquestra que também buscava tocar o jazz dançante, mas o fazia de uma maneira mais moderna e com um “punch” mais vigoroso, escudada em um músico de talento chamado Benny Goodman e em um produtor de visão chamado John Hammond.

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