segunda-feira, 7 de junho de 2021

 


OBSERVAÇÕES DE UM PENSAMENTO

                     (Augusto Pellegrini)

 

E eu fico estático no meio das pessoas, observando escondido.

Não é preciso ser profeta: é preciso ser sombra. Estar sempre à espreita, nas esquinas e nos cantos, nas ruas e nos becos, nas atitudes e nos gestos.

Caminhando sempre nos interstícios, eu pertenço a um mundo irreal, abro cortinas e desfolho diários, vasculho gavetas e leio pensamentos, sigo homens e mulheres onde quer que estejam, fazendo o que estiverem fazendo, a intenção, o amor, o crime.

Procuro habitar em cada vão do chão, em cada fresta de janela, em cada pálpebra e em cada espaço vazio.

Participo de cada drama e de cada comédia, prevejo comédias e dramas, mas não interfiro nos dramas ou nas comédias. Fico sentado no lustre que balança apesar do meu imponderável peso ou me disfarço de folhagem enquanto lagartas passeiam pelo meu braço e sequer fazem cócegas. O murmúrio das folhas se transforma em gotas, sou eu me transformando em chuva e me atirando para a dentro do terraço, escorrendo pelo pescoço de Eliana.

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André saiu de casa e se dirigiu para o outro lado da linha do trem, ia à procura de Eliana.

O céu estava escuro, era maio e o sol ia dormir no fim do outono. Lá longe Eliana já lhe acenava, mas ele não notava e seguia mecanicamente, absorto e sem pensar em nada.

O vento soprava suave e sem estardalhaço, algumas aves teimavam em revolutear próximas à sua cabeça e algumas nuvens anunciavam um céu tranquilo e sem surpresas para as próximas horas.

Alguma inquietude, no entanto, parecia vir de longe, pois um estranho arfar foi se avolumando e tomando corpo sem no entanto ser percebido pelos seus ouvidos moucos e distraídos.

O estranho som foi crescendo como um rufar de tambores.

Aquele ruído estrondoso bem poderia ser o de um tufão devastando a terra inteira. Bem poderia ser a queda de rochas esmagando uma praia durante uma tempestade. Bem poderia ser uma avalanche, levando tudo de roldão. Bem poderia ser uma fábrica furiosa em pleno funcionamento, com seus pulmões arfando vapor. Bem poderiam ser trovões frutos de uma tormenta que se aproximava, irada, ou canhonaços de uma batalha distante. Mas também poderia ter sido o trem.

E era o trem.

Talvez naquele instante André estivesse pensando nos olhos meigos de Eliana, talvez estivesse pensando no que iria dizer ao chegar junto dela, talvez estivesse pensando no amanhã, nos amanhãs.

A composição de carga o apanhou em cheio.

André deu uma volta no ar sem dar um grito sequer, e o ruído dos ferros abafou o ruído do baque.

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Ainda agora, nos olhos arregalados de Eliana, a cena se repete. A massa humana rodopiando na sua retina, mãos e pernas se agitando como uma aranha.

Eu, que antevejo, vejo e revejo a cena como um espectador por detrás de um vidro já sou gota seca na sua blusa que a chuva molhara.

Passado o drama virá um novo drama.

Acho que vou voltar para dentro do meu cérebro.     

 

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