domingo, 2 de janeiro de 2022

 


EU E A MÚSICA
(Augusto Pellegrini)

QUEM SOU EU PARA FALAR DE VIEIRA?

Primeira parte

Falar do mestre Antônio Vieira para os maranhenses soa como fazer uma pregação religiosa para o Papa. Mesmo assim vou me arriscar, até porque há seguramente pessoas de outros rincões que gostariam de conhecer ilustrações deste poeta ímpar da nossa cultura.
O músico Antônio Vieira é cantado no Maranhão em prosa e verso, especialmente por aqueles que tiveram a oportunidade de se apresentar ao seu lado nos palcos e nas tertúlias da cidade.
Com certeza muitos desses artistas teriam muito a acrescentar à biografia do menestrel, um senhor muito moleque de gestos largos e olhos irrequietos que mostrava uma grande segurança quando fazia suas apresentações, gerando um intenso magnetismo dentro de um clima de muita simplicidade. 
“Seu” Vieira tinha a timidez dos sábios.
Sua poesia é simples, direta e marcante, sem firulas ou rococós. Mestre na criação e na interpretação, ele cantou a voz do povo, das feiras e das festas populares.   
Sua participação na música brasileira poderia ter ido mais além caso ele tivesse ousado na sua caminhada pelo menos uma década mais cedo, mas mesmo assim, sua biografia tem pontos marcantes.
Vieira foi batizado Antônio em homenagem ao religioso, filósofo, escritor e orador português Padre Antônio Vieira, que veio de Portugal para o Brasil em 1619 enviado pela da Companhia de Jesus. Pode-se dizer que o nosso Antônio Vieira fez jus plenamente ao nome.
Criado por uma família de posses, Antônio teve uma educação esmerada e muitas oportunidades de estudo e de trabalho – foi comerciante, avalista de imóveis, funcionário de emissora de rádio, diretor de hospital, vendedor de telefone e sargento do Exército entre outras ocupações. Fundamentalmente, no entanto, Vieira foi músico e poeta.
Começou a compor aos 16 anos, em 1936, com a música “Mulata Bonita” (“Mulata bonita / com laço de fita / e o corpo gingando / e sabe sambar / chinelas sem meia / ela sapateia / na roda de samba / ela vai cantar”).
A partir daí não parou mais (foram mais de 300 composições catalogadas ao longo da vida – algumas com parceiros como Lopes Bogéa e Pedro Giusti). Entre as suas composições ele dedicava um carinho especial para “Poema Para O Azul” (“O mar é verde-azul / o céu é mais azul / o céu é irmão do mar / e o azul é que os foi ligar / eu que amo o céu / eu que gosto do mar / não sou pelo menos azul / pra com eles me identificar”), composta para a sua mãe de criação.
A sua primeira gravação aconteceu em 1986 com “A Cabecinha Da Dora” (“Na cabecinha da Dora / meu pensamento concentro / tem muito rolo por fora / e pouco miolo por dentro”), mas foi apenas em 1997, aos 77 anos, que ele alcançou seu primeiro grande sucesso quando a cantora Rita Benedetto (então Rita Ribeiro) gravou “Tem Quem Queira” (“Amigo, se andas triste / vai para uma brincadeira / se tu não quer, tem quem queira / se tu não quer, tem quem queira / se é por falta de dinheiro te dou trabalho na feira / se tu não quer, tem quem queira / se tu não quer, tem quem queira”)  e “Cocada” (“Ai meu Deus se eu pudesse / eu abria um buraco / metia os pés dentro, criava raiz / virava coqueiro / trepava em mim mesmo / colhia meus cocos, meus frutos, feliz”).
“Tem Quem Queira” foi tema da novela da Rede Globo “Da Cor Do Pecado” em 2004, e “Cocada” foi indicada para o Premio Sharp 98 na categoria Melhor Canção, valendo para Rita Ribeiro a sua projeção nacional como cantora.
O repertório de Vieira é vasto, mas a gente pode lembrar “Ingredientes do Samba” (“Se faz samba com pandeiro / com cavaco e cuíca / com requinta, tamborim e violão / entra o surdo, reco-reco / afoxé e o apito / as cabrochas, os sambistas e animação”), “Mocambo” (“Mocambo, mocambo / morada, miséria, pedindo socorro / que nem palafita no meio do mangue / e grande favela no alto do morro”), “Por Ti” (“Eu tenho tudo pra sonhar / por isso posso esperar por ti / eu tenho tudo pra cantar / eu tenho só que me alegrar por ti / mas se quiseres me olvidar / eu tenho muito o que chorar por ti / eu sei que posso me acabar / se tu quiseres me deixar sem ti”), “Banho Cheiroso” (“Você deve tomar banho cheiroso / você deve tomar banho cheiroso / pra acabar com essa mofina / e o corpo ficar jeitoso / pra acabar com essa mofina / e o corpo ficar jeitoso / você sente uma moleza / sem ter doença nenhuma / tem a vida atrapalhada / não consegue coisa alguma”) , “O Samba É Bom” (“O samba é bom, melhor sou eu / o samba é bom, melhor sou eu / o samba é bom com cavaquinho e violão / e tamborim pra se fazer a marcação / é, o samba é bom, melhor sou eu / que gosto dele / é, o samba é bom, melhor sou eu”) , “Balaio De Guarimã” (“Meu balaio, meu balaio / meu balaio de Guarimã / meu balaio, meu balaio / meu balaio de Guarimã / ela pediu meu balaio / emprestado até amanhã / ô que falta me faz / meu balaio de Guarimã”), “Menino Travesso” (“Zeca / o menino levado da breca / e que vive de roupa rasgada / que é dono da praça / que é bom na pedrada / quebrando vidraça”), “Patinho Feio” (“Patinho feio / olha pra mim / de onde você veio / com essa cara assim / patinho chato / é bem ruim / além de nascer pato / ser tão feio assim”),  “Cachaça Apanhou” (“Noutro dia me levaram / pro samba de Zé Nagô / e a danada dessa festa / estava boa, sim sinhô / as cabrochas requebravam / e a sanfona nem gripou / e não teve arruaça / só cachaça que apanhou”) e tantas outras, além das citadas anteriormente.
Vieira tem seu trabalho gravado por Rita Ribeiro (Benedetto), Anna Claudia, Ary Lobo, Elza Soares, Sivuca e Célia Maria, entre outros intérpretes.  

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