quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

 


PÁGINAS ESCOLHIDAS

O FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)

CLICHÊS – O GERENTE DO BANCO

Estamos em 1975.
A Senhora Redondinha, beirando os sessenta, repousa as ancas no assento da cadeira e reclama, toda indignada, que o banco lhe remeteu o extrato errado.
“Vamos verificar, madame”, enquanto procura a ficha da cliente com a mão esquerda, atende o telefone com o ouvido direito, ouve o recado da moça do setor de cobrança com o ouvido esquerdo e dá o seu aval naquele cheque sem provisão de fundos daquele cliente especial com a mão direita.
“Aqui está, madame, o extrato está correto, a senhora não contou com o saque feito no dia 23” – cumprimenta o cliente que passa em frente a sua mesa com a cara amarrada “Bom dia, doutor Roberto!” – e a Senhora Redondinha vai embora aquiescendo, mesmo sem compreender – “Tudo bem, vou ver com o meu filho…”.

E chega a Senhora Ranzinza.
“Olha aqui, Anísio! Devolveram outra vez o meu cheque!”
“Vamos ver o que houve, dona Encarnação… Elisabete, traga a listagem três-quatro-quatro! – e põe seu visto em mais um borderô enquanto vê entrando o “Senhor-Mais-Do-Que-Grosso”, que se aproxima engrossando de vez.
“Pois sim, pois não, o senhor tem razão, vamos verificar…”

E assim se sucedem o Senhor Enrolado, a Senhorita Impaciente, O Doutor Tenho-Muita-Pressa, O Senhor Papo-Furado e outros clientes quetais.

E assim, de escaramuça em escaramuça, chega afinal o horário de fechamento e o atendente-vigilante-porteiro começa a fechar as portas de vidro. Lá fora, o Senhor Atrasado, A Senhora Última-Hora e o Senhor Tenho-Que-Resolver-Este-Assunto-Hoje gesticulam, se acotovelam e batem no vidro.
O atendente-vigilante-porteiro fica impassível como se tivesse desligado o motor e engolido a chave.

Anísio, o gerente, ainda usa um telefone em cada ouvido enquanto rabisca uma aplicação de última hora num bloco de papel com a mão direita e folheia a três-quatro-quatro com a esquerda, um olho na listagem e outro na porta para ver se o Senhor Muito Importante chegou – como de hábito – após o fim do expediente.

 

(Agruras de um gerente de banco antes da informatização)


 

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