PÁGINAS ESCOLHIDAS
O
FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)
CLICHÊS
– O GERENTE DO BANCO
Estamos em 1975.
A Senhora Redondinha, beirando os sessenta, repousa as ancas no assento da
cadeira e reclama, toda indignada, que o banco lhe remeteu o extrato errado.
“Vamos verificar, madame”, enquanto procura a ficha da cliente com a mão
esquerda, atende o telefone com o ouvido direito, ouve o recado da moça do
setor de cobrança com o ouvido esquerdo e dá o seu aval naquele cheque sem
provisão de fundos daquele cliente especial com a mão direita.
“Aqui está, madame, o extrato está correto, a senhora não contou com o saque
feito no dia 23” – cumprimenta o cliente que passa em frente a sua mesa com a
cara amarrada “Bom dia, doutor Roberto!” – e a Senhora Redondinha vai embora aquiescendo,
mesmo sem compreender – “Tudo bem, vou ver com o meu filho…”.
E chega a Senhora Ranzinza.
“Olha aqui, Anísio! Devolveram outra vez o meu cheque!”
“Vamos ver o que houve, dona Encarnação… Elisabete, traga a listagem três-quatro-quatro!
– e põe seu visto em mais um borderô enquanto vê entrando o “Senhor-Mais-Do-Que-Grosso”,
que se aproxima engrossando de vez.
“Pois sim, pois não, o senhor tem razão, vamos verificar…”
E assim se sucedem o Senhor Enrolado, a Senhorita Impaciente, O Doutor
Tenho-Muita-Pressa, O Senhor Papo-Furado e outros clientes quetais.
E assim, de escaramuça em escaramuça, chega afinal o horário de fechamento e o atendente-vigilante-porteiro
começa a fechar as portas de vidro. Lá fora, o Senhor Atrasado, A Senhora
Última-Hora e o Senhor Tenho-Que-Resolver-Este-Assunto-Hoje gesticulam, se acotovelam
e batem no vidro.
O atendente-vigilante-porteiro fica impassível como se tivesse desligado o
motor e engolido a chave.
Anísio, o gerente, ainda usa um telefone em cada ouvido enquanto rabisca uma
aplicação de última hora num bloco de papel com a mão direita e folheia a três-quatro-quatro
com a esquerda, um olho na listagem e outro na porta para ver se o Senhor Muito
Importante chegou – como de hábito – após o fim do expediente.
(Agruras de
um gerente de banco antes da informatização)
Nenhum comentário:
Postar um comentário