Na foto: Nara Leão e Carlos Lyra
COMO NASCEM AS CANÇÕES
(Augusto Pellegrini)
(Parte 7)
A bossa nova logo
se desentendeu consigo mesma graças a uma corrente que contestava o seu lado
burguês. Para eles, a poesia bossanovista se fixava apenas nas belezas do Rio e
deixava de lado antigas queixas sobre a qualidade de vida do carioca menos
privilegiado.
Em outras,
palavras, descobriram que a bossa nova era “alienada”.
Uma ala
dissidente procurava buscar como fonte de inspiração o lado B da cidade – o morro,
a favela e a pobreza – um movimento interessante que acabou valorizando músicos
e compositores de outras vertentes, como Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho e mesmo
João do Vale, agregando-os à juventude intelectual progressista que frequentava
o local – Carlos Lyra, Edu Lobo, Baden Powell, Oduvaldo Vianna Filho, Ruy Guerra,
Nelson Lins e Barros, Dori Caymmi, Sérgio Ricardo.
O movimento
também descentralizava o foco da bossa nova e nacionalizava a visão crítica
social, inserindo no contexto compositores como Chico Buarque, Capinam, Gilberto
Gil e Dominguinhos.
Nara Leão, que havia
se imortalizado como “a musa da bossa nova” era, ao lado de Elis Regina e Maria
Bethânia, o principal motor incentivador da nova cena.
Um dos
compositores que mais lutaram nesse sentido foi Carlos Lyra, o mesmo da sereníssima
“Se É Tarde, Me Perdoa” (“Se é tarde, me
perdoa / Mas eu não sabia que você sabia / Que a vida é tão boa / Se é tarde,
me perdoa / Eu cheguei mentindo, eu cheguei partindo / Eu cheguei à toa / Se é tarde, me perdoa / Trago desencantos de
amores tantos pela madrugada / Se é tarde, me perdoa / Vinha só, cansado”).
Deixando a
poesia de lado, Lyra saiu em defesa do lado pobre do Rio e compôs coisas como
“Feio Não É Bonito” (“Feio não é bonito /
O morro existe, mas pede pra se acabar / Canta, mas canta triste / Porque tristeza
é só o se tem pra cantar / Chora, mas chora rindo / Porque é valente e nunca se
deixa quebrar / Ama, o morro ama / O amor aflito, o amor bonito que pede outra
história...”) ou “Maria Moita”, um hino ao feminismo em plenos anos 1960 (“...
Deus fez primeiro o homem, a mulher
nasceu depois / Por isso é que a mulher trabalha sempre pelos dois / Homem acaba
de chegar tá com fome / A mulher tem que olhar pelo homem / E é deitada ou em
pé, mulher tem é que trabalhar...”).
Tom Jobim e Vinícius
de Moraes também entraram na onda e compuseram “O Morro Não Tem Vez” (“O morro não tem vez / O que ele fez já foi
demais / Mas olhem bem vocês / Quando derem vez ao morro / Toda a cidade vai
cantar”).
Além de buscar
inspiração nas raízes mais sofridas do povo do Rio de Janeiro, Carlos Lyra também
engrossou a onda social-nacionalista na mesma linha de José Ramos Tinhorão,
Gianfrancesco Guarnieri, Chico de Assis e Geraldo Vandré ao denunciar a
“invasão americana” na música brasileira.
Lyra compôs “Influência
Do Jazz” (“Pobre samba meu / Foi se
misturando, se modernizando / E se perdeu / E o rebolado, cadê? /Não tem mais /
Cadê o tal gingado que mexe com a gente? / Coitado do meu samba, mudou de
repente / Influência do jazz”), mais ou menos nos mesmos moldes de “Chiclete
Com Banana”, composto por Gordurinha e Almira Castilho e gravada por Jackson do
Pandeiro em 1959 também na onda do nacionalismo (”Eu só ponho bebop no meu samba / Quando Tio Sam pegar o tamborim /
Quando ele pegar / No pandeiro e no zabumba / Quando ele aprender que o samba
não é rumba...”).
Walter Santos,
um baiano cuja voz e atitude lembravam João Gilberto, sustentou a discussão com
“Samba Só” (“Bossa nova ou samba-jazz /
Sambalanço ou samba só / O que importa é que o balanço é bom / Interessa é
balançar / Bossa nova ou samba-jazz / Nosso samba agora está demais / Ah, meu samba,
fizeram tanta confusão / Disseram que você desafinava / Ah, meu samba, quanta
ingratidão”), e Leny Andrade veio de “Estamos Aí”, de Durval Ferreira e
Mauricio Einhorn (“Só se for agora a bossa
vai prosseguir / Todo mundo vai gostar, nosso samba é demais / Bossa nova vai
mostrar que pode arrasar / Se falar de sol e amor, de mar e luar / E de gente
que cantando vai / Gente que só tem na alma paz e amor / E pro mundo todo vai
mostrar então / Que a bossa nova cresce / Que a bossa nova vence / Que a nossa
bossa vale, estamos aí!”), e completava com um magnífico scat bem na linha do bebop.
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