terça-feira, 12 de abril de 2022

                                                               


                                                 PÁGINAS ESCOLHIDAS

O FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)

“SCRATCH”
       (DOS NAUTAS E NAUFRÁGIOS)

Cai um balde. Cai um balde vazio. “Scratch clang clang”.
Vamos nos localizar no tempo e no espaço. Estamos no convés de um brigue.
Um bruto brigue flibusteiro, desses de assaltar passantes caso passantes houver no mar.
O marinheiro de camiseta listrada fuma o seu cachimbo reto e se envolve em lilazes nebulosas, cospe de lado – “chuip poff” – e – “swamp schomp” – joga o balde sobre as cordas que um dia já enforcaram o enforcado.

‘Capitão! Capitão! Temos problemas aqui!!” – berra uma voz na ponte de comando.
Então aparece o Capitão Barba Rubra, velho lobo do mar, surpreendentemente sem portar um só fio de barba, e também sem o tapa-olho preto e muito bem fisicamente, pois ele é um pirata esperto que coloca seu lugar-tenente para lutar em seu lugar (e que de tantas lutas já está meio postiço, usando olho de vidro e perna de pau).
Barba Rubra é um biltre. O biltre bucaneiro do brigue flibusteiro.

“Que se ice a bujarrona!”
Não adianta, pois de chofre vem a chuva, a enchente da enchentes, de encher o mar e o ar, de encher a terra e o céu, de encher o barco e o balde, de encher o saco!!
Alguém joga o balde através da escotilha molhada e não se ouve o esperado “splash” da queda no mar. Debalde.

Para a chuva, para o vento, cessam as vozes, o que é do barco?
Não há mais Barba Rubra, nem balde. Nem bujarrona nem mezena.
Desapareceu a corda que enforcou o enforcado.
Cânticos de sereias deslizam nas ondas gigantescas de gotas grotescas.

Não há mais nada… somente uma prancha que sobrou da ponte de comando e sobre ela o marinheiro de camiseta listrada com seu cachimbo, de lilazes nebulosas.    

 

(A hora final do “Bruxa dos Sete Mares”, sob o ponto de vista do sobrevivente e seu cachimbo) 



Nenhum comentário: