quinta-feira, 5 de outubro de 2017




A LUXÚRIA

(Parte Três – e final)


De repente, o escândalo.
Genoveva, a esposa, estava imóvel, com o queixo caído e não conseguia acreditar no que via.
Elvira, trinta e dois anos, ruiva, dona de um traseiro generoso, olhar de quem devora rapazinhos, um metro e setenta e cinco, ex-rainha do sindicato dos comerciários, cara-de-sapeca, dois filhos inquietos como dois sanhaços.
Encarnação, vinte e quatro, cabelo muito preto e liso preso por um cocorote no alto da cabeça, ex-filha de Maria, expressão com um quê de severa e um outro quê de pureza, um só filho, mas irrequieto como um periquito em dia de festa.
Doralice, vinte e oito, a Dora morena cor de índia com os atributos de Iracema, olhar entre o matreiro e o ingênuo, o vestido justo e amarelo demais para a ocasião tão fúnebre, dois filhos, agitados como dois pintassilgos.
Gracinha, só dezenove, sua última conquista, estudante de enfermagem, veio direto da faculdade para o velório, os livros ainda embaixo do braço, os olhos vermelhos na expressão de adolescente, ainda sem acreditar no que via nem no que ouvia.
Todas derramando lágrimas por Josué marido, concubino, companheiro, amante e namorado que jazia esticado no caixão e parecia até mais alto.
As viúvas, devidas ou indevidas, estavam reclamando os direitos que tinham sobre o morto, todas se descobrindo rivais, todas se desafiando com os olhos, com os gestos e com as palavras, enquanto Genoveva, a original, com quem Josué havia trocado juras de amor eterno e fidelidade aos pés do altar sob a bênção do pároco do bairro, permanecia boquiaberta, a garganta seca, os olhos arregalados.
Enquanto isso, o velho patriarca, afundado no sofá de ramagens, a tudo assistia com o olhar jocoso, relembrando seus bons tempos, e os dois amigos e o tio do morto anotavam mentalmente cada detalhe para servir de anedota em futuros velórios.
A sobrinha do Nestor (ou  filha da comadre Ermelinda?) sorria entre incrédula e divertida, arriscando o pescoço para chegar mais perto da confusão que se formava – “eu não acredito, eu não acredito!”, gemia Genoveva – enquanto no quintal os cinco filhos de Elvira, Encarnação e Dora, alheios à barafunda que se formava em torno do defunto, brincavam com os cinco filhos da viúva, todos travessos como macaquinhos, filhos de um pai com cara de mico.
Parada na soleira da porta, a magra Angélica ao lado dos seus dois pirralhos hesitava em entrar ou não entrar para reivindicar os suas garantias legais de concubina, a quem Josué prometera eterna proteção – “eterna” uma palavra bem apropriada para a presente ocasião.
Deitado de costas, finalmente quieto, Josué parecia observar a cena, embora impassível como um morto que era.
Há quem jure ter percebido no rosto imóvel outrora brejeiro um sorriso de satisfação.   

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