AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 4 - A LÓGICA DO ABSURDO
(Epílogo)
De repente, gostar
do swing passou a ser um sinal de
patriotismo.
Para as
orquestras, o swing também
significava trabalho, prestígio e a oportunidade de mostrar o talento dos
músicos, de modo que as suas apresentações, onde quer que fossem realizadas e
apesar das viagens cansativas, sempre deixavam no fim algo de positivo.
Evidentemente, este
tipo de excursão em boa parte das vezes era um tiro no escuro e nem sempre
lucrativa. No entanto, estas caravanas musicais trouxeram uma vantagem a médio
prazo, pois possibilitaram às orquestras difundir a sua música “moderna” pelos
interiores do país e fazer com que o swing
– ou aquilo que era o seu embrião – começasse aos poucos a se consolidar
nacionalmente.
Durante os anos
1920 e a partir daí, a difusão do jazz por todo o território americano trouxe também
o benefício da integração racial dentro da música, fato que aos poucos começou
a ser claramente notado e que evidenciava uma grande evolução em termos
culturais e humanísticos.
A vontade de
mostrar o seu trabalho e a necessidade de sobreviver da música pela música
estabeleceu entre os músicos uma convenção muda e não escrita que nos faz
recuar para o que acontecia nos guetos dos primeiros anos de Nova Orleans.
Lá, negros e
brancos coexistiam de uma maneira pacífica e ordenada, apesar da desorganização
desenvolvimentista da cidade. Mesmo fazendo parte de sociedades diferentes – os
brancos e creoles eram considerados a
elite, com alguns direitos e privilégios, como o acesso a certos eventos
sociais e a camarotes nos teatros de ópera, sendo destinado aos negros o
trabalho mais pesado e menos nobre – eles interagiam sem maiores problemas,
tornando o convívio agradável e sem arestas.
Os músicos,
qualquer que fosse a sua raça, vivenciavam os mesmos problemas, enfrentavam as
mesmas dificuldades, tocavam a mesma música nos mesmos lugares e acabaram por
criar o mesmo tipo de jazz. Apesar dos inevitáveis resquícios da escravidão,
oficialmente extinta em 1863, as diferenças de raça e de cor eram contornadas
com muito jogo de cintura em virtude da natureza da cidade.
Nova Orleans
professava todo tipo de religião e de cultura. Com a mesma facilidade com que
se ouvia uma opereta ou um canto napolitano, podiam ser ouvidas canções
espanholas ou advindas das Guianas. Os negros ainda cultivavam os cânticos voodoo que haviam trazido no início do
século dezessete – com as evidentes adaptações sofridas em mais de duzentos
anos por influência do Novo Mundo, o que não inviabilizava o canto gospel
cristão . A cidade era cosmopolita e abrigava toda a sorte de pessoas e, devido
à sua localização geográfica privilegiada, já naquela época era um dos mais
importantes portos do país.
Lá moravam e
conviviam amistosamente nativos, negros libertos e seus descendentes, e os creoles – bem-aculturados mestiços de negros
com franceses e espanhóis – além de judeus, antilhanos, franceses, italianos,
alemães, espanhóis e holandeses e de aventureiros de toda espécie, numa
saudável Babel de línguas e de costumes.
Muitos residiam em
habitações coletivas, e na verdade uns dependiam dos outros. Esta necessidade
de sobrevivência colocou a política racista num plano secundário, pra não dizer
quase inexistente, entre eles. Com a sua expansão territorial, o jazz começava
a transformar o país, pelo menos musicalmente, numa imensa Nova Orleans.
Por outro lado, a chegada
do jazz em Chicago e Nova York não teve uma repercussão muito positiva dentro do
núcleo de habitantes. Lá, o branco já estava estabelecido e, portanto, não via
com bons olhos a invasão negra do sul à procura de trabalho. Como a migração
era inevitável, pois não havia leis que a pudessem controlar, os brancos pouco
podiam fazer com respeito ao problema, a não ser exercer a sua porção racista
nas coisas do dia-a-dia.
Nem todos os
negros, porém, subiram o Mississipi. Alguns se dirigiram para a costa oeste,
onde encontraram um ambiente com certeza menos hostil, embora também menos
receptivo ao desenvolvimento da sua música.
Assim, ambos os
casos (o fechamento de Storyville por um lado e a Recessão pelo outro, dois eventos
indesejados do ponto de vista social e humano) tiveram o condão de projetar o
jazz, fazendo com que pouco a pouco ele fosse tomando conta de todo o
território nacional.
É claro que esta
integração do jazz iria acontecer alugm dia de alguma outra forma, mas estes
acontecimentos acabaram acelerando o processo. O importante é que quaisquer que
tenham sido os meios, a história da música norte-americana deu uma formidável
guinada em menos de vinte anos, mudando culturalmente a cara do país.
Esta adoção
musical não limitou sua influência ao território americano.
Com exceção dos
países do bloco comunista, que levariam outros cinquenta anos para aderirem ao
jazz, todo o restante da Europa assimilou o swing,
contribuindo para um salutar imperialismo musical que respeitava o folclore e a
cultura de cada região ao mesmo tempo em que adicionava muita qualidade à
música do Velho Continente, como se verá adiante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário